Não há nada melhor que comprovar uma teoria científica na prática, por vezes até nos ajuda em alguns problemas, invés de clamar aos céus, ficar doido, perdido, abatido, simplesmente segui a cartilha do funcionamento de meu cérebro. Um dos maiores aprendizados que tive com o livro “E o Cérebro Criou o Homem” de António R. Damásio foi sobre a importância de nosso inconsciente, ou do lado não consciente, não significa lado burro, talvez seja próximo do instinto de sobrevivência, ou da não consciência inteligente, por incrível que pareça a inteligência não é monopolizada pela consciência. Quando dizem que alguém não tem consciência por falar ou fazer burrice, isso não faz sentido, a parte não consciente do corpo tem tanta importância quanto nossa consciência e reflexão, muitas vezes nossa consciência e reflexão só atrapalham.
Usarei o mesmo exemplo de Damásio, imagine você voltando para casa depois de um dia de trabalho, não importa se volta a pé ou de carro, muitas vezes, por ser algo repetitivo, não fazemos a mínima ideia de onde estamos, simplesmente vamos caminhando enquanto escutamos música, lemos ou pensamos nas contas e em conversas que tivemos durante o dia, pensamos em nossas preocupações, a paisagem vai passando, e quando você menos imagina chegou ao destino, na verdade o seu consciente estava desligado do trajeto, estava refletindo e exercitando outros assuntos, coisas que só podemos perceber se pensarmos; enquanto você estava em algum lugar (você é sua consciência), teu inconsciente (não consciente ou instinto) fazia o trabalho pesado sem preocupações, você chego ao destino sem que estivesse fazendo parte do processo, e isso é algo bem parecido com o que muitos bichos fazem, apenas se guiam e pronto.
A importância de nosso inconsciente está aí, trabalha enquanto nos preocupamos com outras coisas, muitas vezes para assuntos simples vamos muito bem, mas de repente você para pra pensar, aí tudo fica complicado, a decisão que seria inconscientemente tomada num segundo, dura horas, talvez você nem encontre uma solução, teu consciente se cansa, é quando enfiamos os pés pelas mãos, parece ironia chamar de burro o consciente enquanto o inconsciente é algo prático, e é assim que funciona.
Senti na pele a prova disso. Foi ironia, lembrar do livro de Damásio ajudou a conseguir alcançar meu objetivo, como naquele velho ditado “Pare e respire”, mas não é bem assim, seria melhor dizer “Pare de pensar e se deixe levar”, não podemos ser radicais, isso de parar de pensar só serve às vezes e para coisas que nosso corpo já sabe. Nosso corpo aprende com a repetição e também com a reflexão, é aí que está a qualidade do consciente, depois que você aprendeu, então essa informação vai para seu inconsciente que fará tudo sem pensar, como se nosso consciente programasse e o inconsciente executasse, como se nosso consciente fosse encarregado de evoluir nossa sabedoria, mas seria um erro querer que o lado pensante executasse. Voltando ao exemplo pessoal. Saí cedo para ir à Estação da Luz comprar uma revista da Disney, tinha duas opções:
A) Pegar o trem e cair na boca do gol.
B) Pegar um ônibus e torcer para chegar lá por meus instintos.
Antes tinha que pegar dinheiro no caixa eletrônico para prevenir minha volta, meu bilhete único tinha apenas uma passagem. Quando cheguei ao caixa eletrônico perto de casa, tinha ainda outra dúvida:
A) Pegar um ônibus em um ponto próximo.
B) Andar 20 minutos até a estação de trem.
A fila estava enorme no caixa eletrônico.
A) Esperaria muito tempo e pegaria o dinheiro.
B) Sairia de lá e usaria minha única passagem para pegar ônibus, chegando ao terminal onde poderia recarregar meu bilhete, mesmo que não fosse tão prático quanto ir de trem, pois ficava fora de rota.
Fiquei de saco cheio e desisti da grana. Estava em uma encruzilhada:
A) Se pegasse o trem teria que recarregar meu bilhete único bem longe, isso dificultaria a volta.
B) Se pegasse o ônibus cairia no possível caixa eletrônico vazio, mesmo que este não fosse perto de meu destino.
Peguei o ônibus, pensei demais nos contras, não queria andar muito, não queria fila, queria facilidade, uma decisão sábia, cheguei ao terminal de ônibus e recarreguei meu bilhete sem problemas, tinha dinheiro para voltar, mas estava longe do destino. Teria que pegar uma condução e torcer para que meu instinto me guiasse até o lugar. Desci do ônibus e me vi em ruas que conhecia, mas não sabia bem como me levariam para lá, São Paulo é literalmente um labirinto fedido, não queria pedir informação, queria fazer valer a tecnologia de meu celular, liguei o Google Mapas e tentei me orientar, fui raciocinando, senti a posição do vento, virei o celular de ponta cabeça para me guiar perfeitamente pelo mapa da cidade, e as coordenadas me pediam para ir pro sul, leste, sudeste, entrar na rua tal e etc... Podia até chegar a tais ruas, mas minha desorientação unida ao medo de ser roubado já que andava com um celular novo a mostra, deixaram-me desgovernado, estressado, não conseguia encontrar saída, sempre fui um fracasso em geografias, meu lado sempre foi mais instintivo, mas eu não estava largado aos instintos, estava ligado à tecnologia e ao cérebro reflexivo.
Damásio diz que o consciente é limitado, faz parte de um fenômeno reduzido do cérebro, mesmo sendo vago de localizar, perto do inconsciente ou de todo resto que é de pura engrenagem de imagens que não refletem sobre si, o consciente é cercado por barreiras, eu estava cercado, fiquei realmente abatido, não sabia para onde era sul ou leste, conversava com meu mapa como se fizesse sentido e não fazia, quando achava que estava perto, novamente passava pela mesma rua, foi quando desisti, desliguei o celular, olhei realmente para as bancas de jornais, cinemas, carros, casas, cheiros, mendigos e somente fui caminhando, cheguei perto de um cinema e lembrei que não era o nome da rua, mas eu já passara por ali em outras idas (nunca tinha me perdido antes da tecnologia), deduzi que o que eu sentia era o certo, fui caminhando reto, só para garantir, fiz o que qualquer animal acuado faz, pedi informação em uma banca e o homem disse que eu estava no caminho certo, era só continuar reto. Cheguei ao meu destino muito tarde, mas cheguei; somente depois que abri mão do raciocínio e segui o fluxo dos meus sentimentos sobre já ter passado por ali, fui direto, sem errar e cheguei ao destino... A loja estava fechada.
Se tivesse chegado mais cedo, se tivesse ido de trem, se nunca tivesse pesquisado e refletido sobre o melhor caminho, teria chegado antes, sem estresse e completado a missão. Foi aí que percebi o que Damásio disse: O consciente não é burro, é apenas limitado, o uso do consciente pode depender de diversos fatores, e é exercício inútil usar o consciente para coisas complexas quando sabemos exatamente o que fazer de forma automática, é este o papel do inconsciente, para sermos alguém completo, temos que usar nosso consciente para refletir sobre a vida, sobre as decisões e para entender o mundo, para que no momento crucial estas informações já façam parte de nossa biologia automática, e nosso corpo vai nos guiar.
Usei aquelas alternativas que passaram por minha cabeça só para ilustrar um tipo de cérebro funcionando, pensando sobre escolhas, quando podia ter seguido o fluxo:
C) Sair de casa, pegar dinheiro mesmo que a fila esteja grande, caminhar até a estação de trem, no caminho passaria por uma farmácia que recarrega bilhete único (algo que nem tinha passado por minha cabeça), pegar o trem e chegar ao destino em tempo recorde e sem estresses.
O inconsciente é tão importante quanto o consciente, querer ser imensamente cerebral é ignorar nossa natureza, não somos meros pensamentos, os pensamentos são parte de um cérebro que são parte de um corpo que é algo incrivelmente animalesco e sábio. A evolução da consciência só pode acontecer em seu pacto com o inconsciente, não em uma troca do instinto pelo novo fenômeno de pensar, mas em uma parceria entre ambos.
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