domingo, 9 de março de 2014

09/03/2014 - Momento Heroico: Minha História com o Flash

Era um sábado tranquilo, a única meta era descansar e ir à Comix comprar três revistas do Flash que eu tinha perdido na banca; na verdade tinha desistido de acompanhar o Flash, comprava, mas não lia, percebi que não precisava mais comprar, então parei de comprar, três meses depois resolvi ler todas que tinha, achei incrível e o Flash virou um de meus heróis prediletos da DC; por isso minha decisão de comprar as revistas perdidas.


Aquele sábado não era sábado qualquer, eu não fazia ideia, recém-chegado ao emprego público, descobri que existem dois sábados por ano que precisamos ir trabalhar, tudo bem, não chega a ser um cúmulo, comparo com meus antigos empregos, trabalhando de sábados e feriados, ir apenas dois sábados por ano não é nada. Mas imagine minha cara de surpresa quando descobri que teria que ir ao trabalho justo no dia especial de comprar minha tão querida revista, pois é, desanimador, mas não desistiria, quis provar a mim que existia algo mais importante que o trabalho, esta coisa era uma revista do Flash, e se formos pensar, o Flash é mais importante que o trabalho no dia de sábado, qualquer dia crio argumento para defender essa tese. Para entrar no clima, vesti uma camiseta vermelha do Chapolin Colorado, infelizmente não tinha do flash (que ainda quero), estava na vibe heroica, entrei no clima. Assim que deu o horário para sair, senti-me Homer Simpsons abandonando tudo e correndo à liberdade, podia ouvir os pássaros cantando e aquela trilha sonora de fundo, saí em disparada, queria comprar logo a revista e voltar a tempo de aproveitar meu sábado na melhor companhia possível, trabalhar de sábado (quando não se trabalha de sábado) traz vontade gigantesca de chegar logo pra fingir que não perdemos nosso dia de forma inútil; corri me sentindo o próprio flash, era um super-herói, o dia estava destruído, estava cansado, acordar cedo é era a pior coisa do mundo (ainda é, mas trabalhando de tarde não preciso acordar cedo, naquele dia foi diferente, a obrigação era ir cedo, um saco), cheguei até o farol e não pensei duas vezes...

O tempo parou, vi o sinal verde para os carros, olhei o carro vindo em minha direção, contei rapidamente o tempo, podia continuar correndo. É engraçado como o tempo breca nesses momentos, existe uma eternidade para raciocinarmos sobre voltar ou avançar, estava exatamente no meio, fiz o que tinha que fazer, prossegui, voltar era mais perigoso, eu estava errado, mas eu era o Flash, tinha força para correr, e corri...

O carro veio com tudo, virei de costa e voei, não era mais o Flash, era um Super-Homem idiota voando pelo asfalto de bunda, por sorte a bolsa amenizou a queda e a batida, fiquei zonzo e o carro freou; eu caído, minha calça rasgada, o joelho ralado, tudo em ordem, cabeça zonza, não façam isso, ou façam, tanto faz, cada um é responsável por sua vida e tem o direito de morrer quando quiser, já diria o velho Crowley, mas tudo bem, lá estava eu... A única coisa que pude pensar foi que chegaria tarde à Comix para comprar minha revista, agora era questão de honra, tinha acordado cedo, no sábado, ido trabalhar, sido atropelado... O dia tinha que ser feliz.

O típico dia que tudo dá errado. Levantei para seguir meu destino. Mas não, a motorista saiu desesperada, toda prestativa, infelizmente pessoas prestativas podem ser um pé no saco em determinados momentos e quando estamos com pressa, eu estava com pressa, não podia perder tempo naquele sábado, queria fazer tudo corrido, voltar para casa e viver, mesmo dormindo viveria para não lembrar que gastei um dia à toa. Isso veio de meu inconsciente, assim que saí de um emprego escravizante, de escalas, trabalhando de sábados, domingos e feriados, jurei que nunca mais pisaria em um emprego nestes dias. A motorista não queria me deixar sair, balancei a cabeça, estava zonzo, tonto pelo acidente, seguindo direto para a estação de trem, ela me agarrava, pedia desculpas, dizia que não queria ter feito aquilo, eu todo educado admitindo meu erro de ter atravessado com o farol aberto para ela, foi chato, fiquei com pena da mulher, um idiota como eu estragaria o dia dela, eu só queria comprar minha revista, não fui tão rápido quanto o Flash. Ela venceu, disse que me daria carona até a estação, na verdade conversou comigo durante a carona para saber se eu estava em minhas faculdades mentais, é difícil saber quando estou ou não, até quando não sou atropelado, mas tudo bem, pedi desculpas, ela pediu desculpas, eu ralado, ela com medo, disse que eu tinha que ir ao hospital ou à delegacia, mas falei que não precisava, na verdade insisti para ela me deixar na estação que ficaria tudo bem. Trocamos telefone e jurei que ligaria para falar que estava tudo bem no fim do dia.

A continuação do dia foi bizarra, eu todo ralado, suado, sujo, dentro de um trem, atravessei a cidade, fui parar na Paulista, comprei minha revista, ainda de saco cheio, cansado e ofegante, via tudo torto, enquanto eu caminhava algumas pessoas olhavam e riam; antes de voltar para casa passei no shopping da Lapa, queria comer, assim que cheguei ali, encontrei duas amigas de trabalho que nem ao menos perceberam algo, falei que tinha sido atropelado, elas não deram bola, conversavam e riam, sei que não foi ilusão, tempos depois uma delas me pediu desculpas por não ter me acudido, mas sou um cara doido e engraçado, certamente acharam que era piada, tudo bem, elas almoçaram em uma mesa, eu em outra, comemos separados e nem me convidaram, acho que eu estava mesmo com aparência de mendigo.

O dia não podia acabar mais estranho, coloquei minhas revistas junto com as outras, sorri, li na mesma hora, a história fantástica, Flash é mesmo um bom herói, tomei banho, fiquei com bunda dolorida durante semanas, até perceber, minha calça estava mesmo furada, havia um furo em minha bunda, os risos deviam ter sido por aquilo, ninguém me avisou, para piorar minha chave não estava no bolso, sei lá onde perdi, foram dias chatos para tirar cópia de chaves, tanto que não voltei a usar meu armário no trabalho, não podia abri-lo, usei outro e recomecei a vida.

Antes de dormir a motorista ligou, falei que estava tudo bem, expliquei para meus pais o que tinha acontecido, virou uma informação banal, como se fosse uma coisa banal ser atropelado. “Tudo bem, fora o atropelamento, aconteceu mais algo?”, “Acho que o atropelamento já é algo”.

Aqui vai um detalhe: Para entrar em casa sem chave, apertei a campainha de meu tio (vizinho) e pulei pelo muro dele até meu quintal, entrei pela janela do quarto de minha irmã, sentei no sofá, ofegante, agarrei a revista do Flash e rezei para ele ser tudo aquilo que eu pensava.

Detalhe Dois: Vivemos no mundo da multitarefa, meu cérebro estava trividido em alguns assuntos, ter sido atropelado, querer minha revista, e... Paralelamente, enquanto ofegava dentro do trem, troquei mensagens com uma garota que eu gostava, ela tentava me acalmar, embora eu não estivesse nervoso, só com pressa, e para variar, levei um toco dela, achei que podia usar meu atropelamento para sensibiliza-la, mas não... Nem sempre dá certo. As pessoas não ficam comigo nem por pena. Voltemos ao enredo.

O fim da história aconteceu quase um ano depois, certo dia, vendo que não tinha mais lugar no quarto para guardar revistas, peguei todas as do Flash e doei para um aluno na escola, esse aluno que era um santo, no dia seguinte virou um capeta achando que era meu amigo, mas não era, era um chato, faço coisas boas para pessoas chatas, não ligo. Só depois que doei a revista, cheguei em casa, deitei, pensei naquele dia terrível e em tudo que tinha acontecido: Acordar cedo, ir trabalhar, ser atropelado, levar um toco, andar de bunda de fora, perder as chaves, comprar as revistas... Para um ano depois dá-las como se nada tivesse acontecido, fiquei puto, muito puto comigo, por sorte as histórias estão em minha memória, o Flash é mesmo um bom herói. Acho que se eu tivesse lembrado tudo no dia da faxina, nunca teria me livrado daquelas revistas, tanto esforço, tanta desgraça, tanta doideira, para nada. É a vida.

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