Compara-se muitas vezes a crueldade do homem à das feras, mas isso é
injuriar estas últimas. – Fiodor Dostoievski
Sou pelos homens das cavernas, com isso
sou pela não civilização e civilidade, claro, já que estamos em um sistema “civilizado”
temos que seguir a cartilha para não sermos trancafiados. Criamos um sistema
tão complexamente organizado que não existem chances de sermos o que somos,
animais, apenas isso. Todos os estudos científicos, sociológicos ou filosóficos
que existem, e não podemos fechar os olhos para as descobertas, há tantas
coisas que fecham nossos olhos para o mundo cru onde vivemos, que não podemos
negar essa verdade universal, independente de misticismos sobre alma ou essência,
somos animais e tudo que existe só existe porque criamos, e como tudo que é
criado, tem uma mãozinha tendenciosa de quem criou, seja pelas facilidades ou
acomodações.
Quero falar que, como animais vivendo em
um mundo concreto, que não se importa com o caminhar das coisas, não tem vida
ou pensamento, em um universo ainda pesquisado, mas já sabendo nossa finitude,
tudo some, morre, vira pó e não há acontecimento que possa nos eternizar (pelo
menos ainda) ou onde nos agarrarmos. Imagine que tudo é inútil, que só nosso
caminho pessoal e nosso aprendizado importa, é como despertar para
possibilidades infinitas dentro da sacanagem de ser um piscar de vida dentro de
uma eternidade do não existir, e é isso. Dentro deste contexto é um pega pra
capar e sempre foi assim. Assista ou estude qualquer documentário sobre a
formação da Terra, o caminho dos seres vivos para chegarem até aqui, ou até
mesmo nossa tão trágica história, cheia de chacinas, massacres, e vamos além,
lá no início do porrete e da caverna, pense em “2001 – Uma Odisseia no Espaço”,
somos primitivos por natureza, até mesmo agora temos momentos onde a civilidade
some e ficamos com vontade de atacar ou nos proteger a força, que é a mesma coisa,
é o instinto sanguinolento em ação, é o desejo de ser o que somos, e não somos
apenas porque criamos leis que nos impedem. Um acordo, muitas leis, você não me
mata e eu não te mato, você não pega minha caverna e eu não pego a tua, mas foi
mais um acordo de medrosos ou de fracos do que daqueles que realmente trazem a
força para dominar o mundo, somos o fruto de um bando de covardes, foi assim,
nossa origem humana e civilizada é a mais mesquinha e frágil possível, criamos
um teto de vidro para nossas vidas quebráveis e ridículas.
Sempre penso no tempo das cavernas como
um tempo mais simples e de homens que merecem mesmo viver. Pense bem, a vida é
um milagre, não importa se você acredita em lendas místicas ou se é ateu, mas é
um milagre pela possibilidade imensa de quase não termos existido, tudo
conspirou contra, então, ao se sentir vivo e perceber-se vivo, nada mais justo
que lutar por esta vida a todo custo, e seguindo a única lei que existe, a sua
vontade, o seu mundo, cada ser particular precisa ser um egoísta por natureza,
é você e o mundo, sempre será, você e a existência, nada mais. E vejo grande
qualidade neste homem cruel das cavernas, não são fúteis, são práticos, fortes,
eles matam, tomam a força e batalham, depois vão para seus abrigos e descansam,
pronto, tudo simples. Conversei sobre isso com um amigo e ele disse que não
sobreviveria porque é medroso ou fraco, morreria, depois falou que talvez
sobrevivesse porque pagaria alguém para matar os inimigos por ele, aqui existe
um problema, ser covarde e mandar matar é coisa de gente civilizada, o
verdadeiro homem vai lá e mata. Sim, estou defendendo, mas defendo apenas o ser
que vive em um contexto primitivo, em uma lei à parte, não qualquer doente ou
criminoso, falo da morte consciente, do assassinato pelo homem forte, daquele
que precisa comer, vai lá e mata, ou deseja aquela caverna, vai lá e toma,
simples assim, não quero esses idiotas que arquitetam, sim, matar pelas leis é
coisa de gente civilizada, não quero a civilidade para viver, quero a
necessidade e o “Ter que fazer”, aí o homem comete o grande ato que homenageia
sua existência, porque tirar a existência alheia desta maneira é lindo e até
poético. Quero o mundo puro, sem tecnologia (sei que ela facilita, mas quem
disse que precisamos de facilidade?), quero o mundo natural, onde a pessoa
nasce, vive intensamente e morre (quem disse que viver muito é bom? Viver
intensamente, e nem falo de qualidade, que é bom), quero o mundo simples, onde
todos seguem o fluxo comum, onde a natureza é respeitada, e com ela o animal
humano, que vai pra guerra, que luta e valoriza sua existência. Hoje em dia é
tanta civilidade que só existem covardes, todos fracos, e pior, sem vida,
ninguém vive, ocupam o tempo, só isso, trabalhando, comprando, e isso não tem
fim. Antes um pôr-do-sol tinha qualidade, emocionava, assustava, hoje é só figuração
ou objeto de fotografia para um telespectador apático.
É claro que vivendo nesta sociedade
frágil e covarde, cheia de “Não me toques”, e afirmo que tudo é do mundo e tudo
é de todos, nada é individual por direito, sendo individual apenas para quem se
apodera, eu não sairia matando, roubando e fazendo crueldade, mas simpatizo
muito, e gostaria de viver naquela época fazendo o que falei. Acho que esta
maneira que tenho de não me relacionar bem com a sociedade é porque sou
primitivo, sou aquela coisa ainda natural, poucos entenderão, estamos presos e
engaiolados, não é algo natural, leis e convenções são o relativo ao aquário e a
gaiola, apenas isso. Não vivemos de verdade, queria poder lutar por minha vida,
chutar a barraca e viver apenas, sem tanta frescura e mãos atadas. A liberdade
só pode ser uma, aquela de poder ser e fazer até o que não presta, qualquer
coisa fora é domesticação.
Quando Dostoiévski diz que “Compara-se muitas
vezes a crueldade do homem à das feras, mas isso é injuriar estas últimas”, desrespeito
o contexto da frase e trago para nosso debate, afirmo também que comparar a
crueldade moderna com a crueldade dos homens primitivos é injuriar estes
últimos, porque a crueldade deles é pura e justificada; perdemos nossa pureza,
sim, o assassinato é naturalmente permitido, é até parte da lei da
sobrevivência, e nem podemos virar o rosto para esta verdade que funciona tão
bem nos outros animais e fingimos que suas leis não nos dizem respeito, mas
somos parte da natureza, e criamos o horror ao assassinato contrastando com o
direito covarde e por lei de matar o assassino, onde se vendem até ingressos
para assistir execuções ou aplausos surgem, porque no fundo todos aplaudem o
ato que nos é tão natural. Então a solução (impossível, mas que acho
necessária), seria livrar toda sociedade de toda civilidade e adentrar naquele
crime possível dos animais, porque lá não há injúria.
Conversa imaginária:
- Eu quero e vou matar, oras.
- Mas você não pode, vivemos em uma
civilização.
- Ok, mas as leis de uma civilização só
deveriam servir para os civilizados, eu não sou um ser civilizado, sou um
animal, todos somos, como a natureza pede, simples assim.