Toda
a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca
teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca
foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida... – Álvaro de
Campos (Fernando Pessoa)
Li em algum lugar que a maturidade é um mito, deve
ter sido em algum blog, não lembro, mas concordo com o ditado. Ninguém
amadurece de verdade, acho até que aquele que conseguir ficará realmente sem
graça, não será digno de nota alguma. Crescer é pretensão, achar-se crescido é
arrogância. Quando somos crianças existem responsabilidades, quando adultos
também, o tipo de responsabilidade não pode ser visto como amadurecimento,
apenas obrigação.
Até hoje não sei como lidar com as pessoas; quando
criança era um martírio, sempre deslocado, quieto, sem compreender nada e
ninguém, em meu mundo, com minhas revistas, meus filmes, músicas e gosto por
minhas próprias histórias, criei muitas e aquilo me divertia, mas eu brincava
sim, existiram momentos bacanas, eu só não era de brincar em grupos. Esperei
pela promessa de amadurecimento, na faculdade, no trabalho e na “vida adulta”,
sei hoje que isso é utopia, ninguém amadurece de verdade e geralmente os que
taxam outros de imaturos são imaturos e hipócritas, porque em algum setor de
suas vidas pretensiosas são ridiculamente imaturos e teimosos. Achei que
“adultescer” resolvesse tudo, não resolve, apenas alcançamos outro nível no
Jogo da Vida, como dizem os adolescentes facebookeanos: “A vida está tão
difícil que chegamos no chefão”. Tudo isso traz algo bom, os velhos problemas
parecem nos entediar, não sofremos mais pelo acontecimento, mas pelo conjunto
da obra, pelo sofrer de novo e de novo, e de novo sofreremos; somos tolos,
caímos nas velhas ciladas enquanto galgamos infelicidades maiores, mais
complexas, desafiadoras e divertidas quando vistas no futuro.
Adoro ver adulto sofrer, não é maldade, é
humanidade, se ainda sofre significa que está vivo, que não se rendeu, que tem
sentimentos, ou seja, estamos diante de uma pessoa e não de um robô ou de outro
boi neste admirável mundo velho. Mesmo entediado com tudo, não canso de me
surpreender com as pessoas; mesmo nos lugares mais remotos existem pessoas que
quebram, não são geniais e não são modelos para serem seguidas, por isso adoro
estes seres quebrados, eles são a vida e a esperança pulsando.
Não sou o melhor tipo de anarquista, acho que meu
lado anarquista está encubado, esperando o momento certo para sair do casulo,
ele entrou há tempos, talvez tanto tempo que não sei se algum dia fui
anarquista de verdade, é a ideia, a utopia de que posso ser livre, quando
piscamos, estamos trabalhando, lidando com dinheiro, virando funcionários
públicos e lutando contra a acomodação da mediocridade que nada tem para nos
ensinar. Por todos os lados existem Super-Funcionários, pessoas que tentam
provar que são competentes e que nasceram para realizar um trabalho eficiente e
ser reconhecido por suas habilidades, isso sempre me preocupou, acredito que
enquanto estiver quebrado, enquanto eu não for um bom funcionário (tudo bem que
também não vou me esforçar para ser um lixo e atrapalhar), mas enquanto eu continuar
medíocre neste quesito, então o anarquista sorrirá do fundo da goela, achará
isso bom porque não há terra dentro da sepultura e ele pode escapar a qualquer
momento, pode fazer a revolução, pode cantar com os Franceses e sair às ruas
para uma vida miserável, porém poética. É disso que precisamos, de poesia e
vida, não de adestramento. Palavras que soam clichês na boca de qualquer
pseudo-revolucionário que está dentro do sistema. Estou dentro do sistema há
tempos, isso perturba e muito.
Existe essa mulher, essa funcionária antiga em uma
escola, durante anos trabalhou com a máquina de Xerox em uma sala estranha,
abafada, cheia de papéis e nenhuma esperança, como qualquer escola moderna, não
entre os alunos, talvez exista esperança entre eles, mas entre os funcionários
infelizmente não há. Imagino o círculo vicioso: você estuda em uma escola por
anos, então passa por alguns “perrengues” e finalmente consegue seu trabalho,
pode ser que trabalhe em muita coisa, mas algo faz você voltar para a mesma
escola ou o mesmo ambiente, agora é você que puxa as cordinhas, ou pior, fica
nos bastidores vendo alguém puxar as cordinhas dos alunos, e isso não parece
satisfatório, você estudou, não fez nada, correu atrás do rabo, e voltou para a
mesma escola, agora tudo o que faz é a vida dos outros avançarem. Mesmo assim
essa era uma mulher muito interessante e humana.
Gosto de ver pessoas quebradas e é só por isso que
ela era interessante e divertida. O tempo passava e a escola não podia mais
vender Xerox para alunos, tão pouco tinha recursos para dar Xerox, sei lá como
uma escola pode não ter recursos, mas estamos no Brasil e isso é tristemente
banal, tudo bem... Essa funcionária ficou sem função, perdeu seu chão, é até
bom para se movimentar, ela se movimentou, finalmente foi à campo, trabalhar no
pátio, a vida ficou alegre, ganhou amigos, trabalhou finalmente com a equipe,
saiu dos bastidores dos bastidores da educação, virou parte do problema como
todos somos, menos mal, melhor ser um problema do que não ser nada. Pode parecer
cruel, mas ela era maravilhosa como ser humano.
As pessoas quebram, já falei disso, é importante
valorizar o estado incapacitado do trabalhador. Agora ela interagia, foi neste
momento que cheguei, não trabalhei muito com ela, fui à campo ser parte do
problema, mas em todos os momentos de folga durante o trabalho, todos os
momentos quando nos reuníamos em uma sala mutante que mudava de lugar, pode
parecer estranho, mas inspetores são “sem teto”, não mandam em nada, não mandam
no próprio destino, raramente tem onde guardar suas coisas, às vezes ganham uma
sala, outras não, por sorte a escola era grande, sempre tinha uma sala para
virar “a sala dos inspetores”, pode ser um cubículo ao lado de um banheiro
fedido, um lugar cheio de papéis, algum depósito, quarto de limpeza (e não me
perguntem sobre o povo da limpeza, porque estes são menos vistos que os
inspetores), é uma guerra por espaço... Mas naquela época tínhamos nossa sala
ao lado da secretaria, pequena, mas era lugar para confraternizar, já estava
bom.
Certo dia falávamos nossas putarias, tudo comum,
quando alguém sugere que esperma é bom para a pele, não pouparei palavras,
tentarei ser técnico, não sei se isso procede, não sei se um dia quererei
saber, mas tenho a mente aberta, então essa funcionária que se tornou boa
colega, um misto de tímida com faladora de putaria, como eu me considero, disse
que era verdade, que ela usava sempre o tal creme, claro, o fornecedor era o
marido, tudo bem, sendo verdade ou não é indiferente, e isso foi um estopim.
Boa pessoa, brincava, ria, sabia tantas histórias
daquela escola, conhecia muita coisa, principalmente os processos que levaram
alunos a perderem sua Xerox; certo dia conversava com algumas alunas, preciso
que me perdoem, mas as garotas zombavam dela, era pessoa ingênua e educada, perguntaram
se ela transava com o marido, a resposta foi um entusiasmado “Sim. Muito. Todo
dia”. Não consegui criar intensidade, imaginem uma senhora de certa idade, sem
pudores, que consegue manter o respeito, mas que fala mais que a boca, mesmo
sem querer. Se fosse entre seus amigos tudo bem, mas crianças são maldosas, são
maldosas com crianças e com adultos, com professores, colegas, funcionários e
todo resto. Essa coisa de “Não pode desrespeitar funcionário público” é
bobeira, na prática não funciona e nem precisa funcionar, porque acho que não
se pode desrespeitar ninguém, devia existir igualdade, um funcionário público
não é especial, mas tudo bem... Esqueçamo-nos disso, também esqueçamos que as
pessoas são frescas demais e se ofendem com tudo; esqueçamos que o desrespeito
é relativo e exigiria um texto anexo para explicar. Aquilo também foi um
estopim. Eram os últimos dias da funcionária, temporária, ela já sairia,
triste, mas se você não for efetivo, o que também é triste, então é mais triste
ainda porque está abaixo dos direitos dos outros.
No dia seguinte estava no Facebook, gravado, todo
mundo comentando sobre “A Tia que gostava de dar para o marido, e gostava
muito, e gostava sempre”. Por sorte isso não ganhou a mídia, acho que renderia
uma demissão por sinceridade, como se as crianças de hoje fossem puras e
tivessem que ficar alheias de tais temas. Todo mundo assistiu e riu, comentou,
compartilhou, curtiu. Para adulto isso é uma banalidade, embora muitos sejam
pudicos e gritem por isso também. Ela era casada, tinha todo direito, falar a
verdade não devia ser motivo para chamarmo-la de ingênua e idiota, mas
simplesmente de sincera, há algo para se admirar aí, isso eu chamo de ser um
humano quebrado, o que é fantástico.
Aquela brincadeira sobre o creme de beleza foi
longe demais, eu não imaginava, mas todo dia nos cumprimentávamos na saída e na
chegada, com abraços e beijos, nenhuma novidade. Um dia estava com meu amigo no
banheiro, conversando bobeiras, pois é, homens às vezes vão ao banheiro em
duplas, sem piadinhas, mas esses ambientes públicos são tão deprimentes que nos
agarramos aos amigos, eu pelo menos adoro amizades e levo mais a sério que o
próprio trabalho. Então estávamos lá falando sobre qualquer coisa quando
escutamos um choro vindo do banheiro feminino, era aquela senhora aos soluços,
muito triste, constrangedor, nunca vi algo parecido. Visto de fora é lindo, um
adulto chorando por motivos existenciais sempre será algo mais lindo e mais importante
que qualquer dor física, sou um pseudo-filósofo radical assim. Depois ela
confessou que uma de nossas amigas não a cumprimentava mais; mais de um mês se
passara e a garota não a beijava no rosto, nada pessoal, apenas fortalecia a
brincadeira sobre ela passar o tal creme no rosto, e ela começou a ficar
magoada, sentiu que não gostávamos mais dela, um desespero digno de cena de
novela das oito, muita gente apareceu, fomos acusados de zombar dela, de
evitá-la, eu fiquei indignado, e eu não podia achar que a culpa era dela, os
culpados éramos nós. Não há diferença entre adultos e crianças, o
amadurecimento é um mito, somos cruéis como os pequenos. É natural que alguém
sinta falta de carinho, de afeto, de seus amigos, e ela que antes só ficava
entre papéis, agora sentia falta dos novos amigos que a tratavam de forma
descortês.
Claro que tudo acabou bem, mas todos ficaram
espantados, “Como uma mulher dessa idade pode chorar porque acha que os amigos
não gostam dela?”. Eu sei como isso pode acontecer, já passei por isso antes
deste acontecimento e depois do acontecimento, mas no momento esqueci; todos
parecem tão fortes, acham que só porque crescem não podem ser bacanas, não
podem ser amigos, que não é profissional chorar, ora, se não é profissional chorar,
não é humano destratar alguém, e antes ser humano que profissional. O mais
interessante é que a brincadeira das garotas da escola com a gravação da
declaração não mexeu tanto com ela como a brincadeira adulta ridícula, tínhamos
que entender isso, porque ela nos considerava. Em alguma parte do livro “O
Pequeno Príncipe” alguém diz “Você se torna responsável por aquilo que cativa”,
é verdade, não precisamos de amadurecimento, isso é impossível, precisamos ser
mais responsáveis com nossos afetos.
Adultos choram e sentem como crianças, claro, se
formos adultos quebrados e mais humanos, não estes robôs perfeitos de que fala
Fernando Pessoa em alguns poemas em linha reta.
Pois é, tem gente que amadurece tanto que fica podre! rs
ResponderExcluir