terça-feira, 28 de janeiro de 2014

28/01/2014 - Amadurecer é um Mito

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,

Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida... – Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)


Li em algum lugar que a maturidade é um mito, deve ter sido em algum blog, não lembro, mas concordo com o ditado. Ninguém amadurece de verdade, acho até que aquele que conseguir ficará realmente sem graça, não será digno de nota alguma. Crescer é pretensão, achar-se crescido é arrogância. Quando somos crianças existem responsabilidades, quando adultos também, o tipo de responsabilidade não pode ser visto como amadurecimento, apenas obrigação.
Até hoje não sei como lidar com as pessoas; quando criança era um martírio, sempre deslocado, quieto, sem compreender nada e ninguém, em meu mundo, com minhas revistas, meus filmes, músicas e gosto por minhas próprias histórias, criei muitas e aquilo me divertia, mas eu brincava sim, existiram momentos bacanas, eu só não era de brincar em grupos. Esperei pela promessa de amadurecimento, na faculdade, no trabalho e na “vida adulta”, sei hoje que isso é utopia, ninguém amadurece de verdade e geralmente os que taxam outros de imaturos são imaturos e hipócritas, porque em algum setor de suas vidas pretensiosas são ridiculamente imaturos e teimosos. Achei que “adultescer” resolvesse tudo, não resolve, apenas alcançamos outro nível no Jogo da Vida, como dizem os adolescentes facebookeanos: “A vida está tão difícil que chegamos no chefão”. Tudo isso traz algo bom, os velhos problemas parecem nos entediar, não sofremos mais pelo acontecimento, mas pelo conjunto da obra, pelo sofrer de novo e de novo, e de novo sofreremos; somos tolos, caímos nas velhas ciladas enquanto galgamos infelicidades maiores, mais complexas, desafiadoras e divertidas quando vistas no futuro.
Adoro ver adulto sofrer, não é maldade, é humanidade, se ainda sofre significa que está vivo, que não se rendeu, que tem sentimentos, ou seja, estamos diante de uma pessoa e não de um robô ou de outro boi neste admirável mundo velho. Mesmo entediado com tudo, não canso de me surpreender com as pessoas; mesmo nos lugares mais remotos existem pessoas que quebram, não são geniais e não são modelos para serem seguidas, por isso adoro estes seres quebrados, eles são a vida e a esperança pulsando.
Não sou o melhor tipo de anarquista, acho que meu lado anarquista está encubado, esperando o momento certo para sair do casulo, ele entrou há tempos, talvez tanto tempo que não sei se algum dia fui anarquista de verdade, é a ideia, a utopia de que posso ser livre, quando piscamos, estamos trabalhando, lidando com dinheiro, virando funcionários públicos e lutando contra a acomodação da mediocridade que nada tem para nos ensinar. Por todos os lados existem Super-Funcionários, pessoas que tentam provar que são competentes e que nasceram para realizar um trabalho eficiente e ser reconhecido por suas habilidades, isso sempre me preocupou, acredito que enquanto estiver quebrado, enquanto eu não for um bom funcionário (tudo bem que também não vou me esforçar para ser um lixo e atrapalhar), mas enquanto eu continuar medíocre neste quesito, então o anarquista sorrirá do fundo da goela, achará isso bom porque não há terra dentro da sepultura e ele pode escapar a qualquer momento, pode fazer a revolução, pode cantar com os Franceses e sair às ruas para uma vida miserável, porém poética. É disso que precisamos, de poesia e vida, não de adestramento. Palavras que soam clichês na boca de qualquer pseudo-revolucionário que está dentro do sistema. Estou dentro do sistema há tempos, isso perturba e muito.
Existe essa mulher, essa funcionária antiga em uma escola, durante anos trabalhou com a máquina de Xerox em uma sala estranha, abafada, cheia de papéis e nenhuma esperança, como qualquer escola moderna, não entre os alunos, talvez exista esperança entre eles, mas entre os funcionários infelizmente não há. Imagino o círculo vicioso: você estuda em uma escola por anos, então passa por alguns “perrengues” e finalmente consegue seu trabalho, pode ser que trabalhe em muita coisa, mas algo faz você voltar para a mesma escola ou o mesmo ambiente, agora é você que puxa as cordinhas, ou pior, fica nos bastidores vendo alguém puxar as cordinhas dos alunos, e isso não parece satisfatório, você estudou, não fez nada, correu atrás do rabo, e voltou para a mesma escola, agora tudo o que faz é a vida dos outros avançarem. Mesmo assim essa era uma mulher muito interessante e humana.
Gosto de ver pessoas quebradas e é só por isso que ela era interessante e divertida. O tempo passava e a escola não podia mais vender Xerox para alunos, tão pouco tinha recursos para dar Xerox, sei lá como uma escola pode não ter recursos, mas estamos no Brasil e isso é tristemente banal, tudo bem... Essa funcionária ficou sem função, perdeu seu chão, é até bom para se movimentar, ela se movimentou, finalmente foi à campo, trabalhar no pátio, a vida ficou alegre, ganhou amigos, trabalhou finalmente com a equipe, saiu dos bastidores dos bastidores da educação, virou parte do problema como todos somos, menos mal, melhor ser um problema do que não ser nada. Pode parecer cruel, mas ela era maravilhosa como ser humano.
As pessoas quebram, já falei disso, é importante valorizar o estado incapacitado do trabalhador. Agora ela interagia, foi neste momento que cheguei, não trabalhei muito com ela, fui à campo ser parte do problema, mas em todos os momentos de folga durante o trabalho, todos os momentos quando nos reuníamos em uma sala mutante que mudava de lugar, pode parecer estranho, mas inspetores são “sem teto”, não mandam em nada, não mandam no próprio destino, raramente tem onde guardar suas coisas, às vezes ganham uma sala, outras não, por sorte a escola era grande, sempre tinha uma sala para virar “a sala dos inspetores”, pode ser um cubículo ao lado de um banheiro fedido, um lugar cheio de papéis, algum depósito, quarto de limpeza (e não me perguntem sobre o povo da limpeza, porque estes são menos vistos que os inspetores), é uma guerra por espaço... Mas naquela época tínhamos nossa sala ao lado da secretaria, pequena, mas era lugar para confraternizar, já estava bom.
Certo dia falávamos nossas putarias, tudo comum, quando alguém sugere que esperma é bom para a pele, não pouparei palavras, tentarei ser técnico, não sei se isso procede, não sei se um dia quererei saber, mas tenho a mente aberta, então essa funcionária que se tornou boa colega, um misto de tímida com faladora de putaria, como eu me considero, disse que era verdade, que ela usava sempre o tal creme, claro, o fornecedor era o marido, tudo bem, sendo verdade ou não é indiferente, e isso foi um estopim.
Boa pessoa, brincava, ria, sabia tantas histórias daquela escola, conhecia muita coisa, principalmente os processos que levaram alunos a perderem sua Xerox; certo dia conversava com algumas alunas, preciso que me perdoem, mas as garotas zombavam dela, era pessoa ingênua e educada, perguntaram se ela transava com o marido, a resposta foi um entusiasmado “Sim. Muito. Todo dia”. Não consegui criar intensidade, imaginem uma senhora de certa idade, sem pudores, que consegue manter o respeito, mas que fala mais que a boca, mesmo sem querer. Se fosse entre seus amigos tudo bem, mas crianças são maldosas, são maldosas com crianças e com adultos, com professores, colegas, funcionários e todo resto. Essa coisa de “Não pode desrespeitar funcionário público” é bobeira, na prática não funciona e nem precisa funcionar, porque acho que não se pode desrespeitar ninguém, devia existir igualdade, um funcionário público não é especial, mas tudo bem... Esqueçamo-nos disso, também esqueçamos que as pessoas são frescas demais e se ofendem com tudo; esqueçamos que o desrespeito é relativo e exigiria um texto anexo para explicar. Aquilo também foi um estopim. Eram os últimos dias da funcionária, temporária, ela já sairia, triste, mas se você não for efetivo, o que também é triste, então é mais triste ainda porque está abaixo dos direitos dos outros.
No dia seguinte estava no Facebook, gravado, todo mundo comentando sobre “A Tia que gostava de dar para o marido, e gostava muito, e gostava sempre”. Por sorte isso não ganhou a mídia, acho que renderia uma demissão por sinceridade, como se as crianças de hoje fossem puras e tivessem que ficar alheias de tais temas. Todo mundo assistiu e riu, comentou, compartilhou, curtiu. Para adulto isso é uma banalidade, embora muitos sejam pudicos e gritem por isso também. Ela era casada, tinha todo direito, falar a verdade não devia ser motivo para chamarmo-la de ingênua e idiota, mas simplesmente de sincera, há algo para se admirar aí, isso eu chamo de ser um humano quebrado, o que é fantástico.
Aquela brincadeira sobre o creme de beleza foi longe demais, eu não imaginava, mas todo dia nos cumprimentávamos na saída e na chegada, com abraços e beijos, nenhuma novidade. Um dia estava com meu amigo no banheiro, conversando bobeiras, pois é, homens às vezes vão ao banheiro em duplas, sem piadinhas, mas esses ambientes públicos são tão deprimentes que nos agarramos aos amigos, eu pelo menos adoro amizades e levo mais a sério que o próprio trabalho. Então estávamos lá falando sobre qualquer coisa quando escutamos um choro vindo do banheiro feminino, era aquela senhora aos soluços, muito triste, constrangedor, nunca vi algo parecido. Visto de fora é lindo, um adulto chorando por motivos existenciais sempre será algo mais lindo e mais importante que qualquer dor física, sou um pseudo-filósofo radical assim. Depois ela confessou que uma de nossas amigas não a cumprimentava mais; mais de um mês se passara e a garota não a beijava no rosto, nada pessoal, apenas fortalecia a brincadeira sobre ela passar o tal creme no rosto, e ela começou a ficar magoada, sentiu que não gostávamos mais dela, um desespero digno de cena de novela das oito, muita gente apareceu, fomos acusados de zombar dela, de evitá-la, eu fiquei indignado, e eu não podia achar que a culpa era dela, os culpados éramos nós. Não há diferença entre adultos e crianças, o amadurecimento é um mito, somos cruéis como os pequenos. É natural que alguém sinta falta de carinho, de afeto, de seus amigos, e ela que antes só ficava entre papéis, agora sentia falta dos novos amigos que a tratavam de forma descortês.
Claro que tudo acabou bem, mas todos ficaram espantados, “Como uma mulher dessa idade pode chorar porque acha que os amigos não gostam dela?”. Eu sei como isso pode acontecer, já passei por isso antes deste acontecimento e depois do acontecimento, mas no momento esqueci; todos parecem tão fortes, acham que só porque crescem não podem ser bacanas, não podem ser amigos, que não é profissional chorar, ora, se não é profissional chorar, não é humano destratar alguém, e antes ser humano que profissional. O mais interessante é que a brincadeira das garotas da escola com a gravação da declaração não mexeu tanto com ela como a brincadeira adulta ridícula, tínhamos que entender isso, porque ela nos considerava. Em alguma parte do livro “O Pequeno Príncipe” alguém diz “Você se torna responsável por aquilo que cativa”, é verdade, não precisamos de amadurecimento, isso é impossível, precisamos ser mais responsáveis com nossos afetos.

Adultos choram e sentem como crianças, claro, se formos adultos quebrados e mais humanos, não estes robôs perfeitos de que fala Fernando Pessoa em alguns poemas em linha reta.

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