sábado, 8 de fevereiro de 2014

08/02/2014 - Amizade Moderna, Uma Ilusão? Você tem Amigos na Prática ou na Teoria?

Não há amigos, apenas há momentos de amizade. – Jules Renard

Recentemente uma pessoa perguntou quantos amigos tenho, esta será sempre uma questão complexa, posso dizer quantos podem contar com minha amizade, mas não posso entrar na cabeça de ninguém para medir ou sentir reciprocidade; por um lado existe aquele clichê antissocial sobre “Verdadeiro amigo é aquele que você pode fica anos sem ver, e quando se encontram está tudo de boa e sem cobranças, continuam amigos”, mesmo correndo o risco que um morra e o outro se arrependa de não ter dado o devido valor ou interagido mais vezes; do outro lado temos essa enxurrada de séries americanas onde os verdadeiros amigos estão sempre juntos, mesmo que a vida mude suas vidas, trazendo casamentos, filhos e trabalhos, lá estão interagindo e participando da vida um do outro. Fui criado assistindo Seinfeld e arrisquei até alguns episódios de Friends (embora eu seja indiferente a Friends), mas independente das palhaçadas e dos temas, o que ficou em minha cabeça foi essa visão mais unida da amizade.

A vida separa as pessoas? Não sei se separa; todo mundo usa isso como desculpa, quando casam dizem que isso é natural e amizades enfraquecem ou se modificam, não tendo mais tempo um para o outro; quando o filho surge é a mesma coisa; trabalhos também; outras empreitadas e o escambau... Mas se existe uma coisa que os filmes e as séries ensinam é que é possível interagir mesmo com todos esses acréscimos, talvez esse relaxamento sobre “Não ter mais tempo” ou encontrar amigos a cada 6 meses ou um ano só para dizer que uma amizade existe é pura preguiça ou peso na consciência, simplesmente porque os tempos atuais são solitários, insensíveis, ninguém se importa com ninguém, criam este teatro da interação agendada só para manter uma falsa imagem de amizade existente.

Porque um namoro ou relacionamento separaria amigos? Isso não deveria acontecer, pelo contrário, o parceiro ou parceira de quem está comprometido deveria ser inserido na amizade, um acréscimo, e não uma troca (o que sempre acontece), então os amigos não se encontram mais e estão cada vez mais separados. Um filho também não é desculpa, afinal, o amigo ou amiga de quem teve o filho se torna um tio adotivo da criança, simples, e a interação continua. Talvez seja complexo a parte do trabalho, é difícil ver seu amigo se não trabalham no mesmo lugar, mas porque isso se torna motivo para não mais se verem? Porque são preguiçosos e não se importam tanto um com o outro.

Vejo essas histórias, séries e filmes sobre amigos e percebo que, apesar de serem ótimos modelos para seguirmos, não representam nossa realidade. Seinfeld vive com namoradas, George também, Kramer, Elaine, porém, estão sempre se visitando, invadindo a casa, passeando, marcando programas, interagindo e entrando em confusões, independente de trabalharem ou não juntos, eles não se relacionam amorosamente entre eles, para ver que cada um tem uma vida completamente diferente. Mas porque sabem exatamente onde os outros estão e porque podem contar sempre uns com os outros? Porque eles vivem juntos, são amigos, a trajetória de vida é quase a mesma, ou melhor, passa pelo mesmo caminho. No mundo real não existe isso, é todo mundo separado, mesmo vivendo neste futuro onde existem milhões de maneiras de estarem em contato, e cá entre nós, se no meio de tanta possibilidade de interação ninguém interagir, é porque um ou outro deve começar a questionar a verdadeira vontade que o amigo tem de estar em sua presença; quando um arruma uma namorada ou se casa, parece que “Agora ele tomou rumo, não precisa mais daquelas amizades, precisa ser uma pessoa séria e pensar unicamente em sua nova família”, mas isso é ridículo. Da vida só nos resta interações e aprendizados. Vejo diariamente amizades incríveis se tornarem fracas porque os homens e as mulheres deixam de ser amigos na prática para se tornarem amigos na teoria, suas vidas não vão por caminhos diferentes, simplesmente acham que suas vidas foram para caminhos diferentes.

Parece que a amizade se tornou aquela coisa que você tem para se distrair enquanto não ganha “uma vida”, sendo que a amizade teria que ser parte da vida, ter um amigo não precisa ser uma fuga da vida, do trabalho e dos filhos, mas parte da vida, do trabalho e dos filhos. Porque as pessoas fazem essa separação e não conseguem conciliar amizade com suas vidas? Talvez elas não queiram ou as amizades sejam facilmente dissolvíveis, descobrimos que era passatempo. Triste que seja assim.

Quando me perguntaram quantos amigos tenho, fiquei pensando em absolutamente tudo e todos, ponderando daqui e dali, não consegui responder. Muitas das minhas amizades parecem surgir com prazo de validade, e esse prazo é “até a pessoa decidir que tem coisa mais importante para fazer”, porque ninguém concebe a amizade como uma das coisas importantes para fazer? Quem disse que amizade é para crianças ou para nossas fases imaturas? Amizade deveria ser como família, aquela coisa que, independente de você gostar ou não, foi construída uma relação e as partes têm responsabilidades uma com a outra. No mundo não é assim, tudo vem com botão de liga e desliga para a conveniência dos descartadores. Dependendo de onde estão seus a amigos as coisas mudam, se forem amigos do trabalho parece que ninguém conhece ninguém quando chega o fim de semana, se tornam estranhos e a comunicação é cortada, se são amigos no dia-a-dia, parece que estes somem quando você está trabalhando, simplesmente são cortados de sua vida e toda comunicação se dissolve. Porque essa conveniência de ter amigo apenas quando necessita? Onde foi parar o parceiro de vida, o parente adotado? Só posso imaginar que a amizade ficou no passado, quando ela ainda era importante, tão importante quanto trabalho, família e filhos, tanto porque trabalhos podem sumir, filhos crescem e até relacionamentos não são eternos em certos casos, mas a amizade bem construída teria o mesmo potencial de um pai ou uma mãe, deveria ser para sempre; no mundo onde tudo acaba, o amigo seria aquele porto seguro, aquela coisa que estaria contigo na jornada, independente de como anda sua vida pessoal, ignorá-lo para procurá-lo apenas quando “tem tempo” para isso ou “as outras partes da vida não andam bem” seria usá-lo como uma garota de programa, apenas como terapeuta para que você volte ao jogo da vida, sendo que ele deveria fazer parte do jogo da vida.

Quantos amigos tenho? Não sei... Vivo pensando sobre isso. De minha parte sei que independente de onde estiver, com relacionamento, filho ou trabalho, tentarei manter contato com amigos e inventar coisas para fazermos como parte do cotidiano; da outra parte, nunca poderei colocar palavras na boca de qualquer um. Mas é um cenário desolador que vejo acontecendo. Quero deixar toda questão no ar, penso que verdadeiras amizades demandam tempo, amizade não é afinidade, é parceria e irmandade, quantidade mais qualidade de tempo passado juntos, não temos como saber se alguém que está em nossa vida há meses é nosso amigo, porém, se você tem um amigo “de longa data”, mas também não interage com ele, são amigos na teoria, se nem sequer sabem por onde andam, não podemos considerar amizade, sinto muito, mas não podemos, amigos não são objetos em estantes para contabilizarmos e pessoas não são coisas. Então deixo a pergunta no ar: Você tem amigos na teoria ou na prática?

Nenhum comentário:

Postar um comentário