domingo, 23 de fevereiro de 2014

23/02/2014 - Uma Crítica ao Livro "A Cultura-Mundo" de Gilles Lipovetsky (+ Diário de Leitura)

O mundo Hipermoderno é o mundo do egoísmo globalizado, tudo que Bauman previu resultou nessa grande encruzilhada ambígua, de um lado temos os benefícios tecnológicos, a possibilidade de conhecermos absolutamente qualquer coisa, mas também a infelicidade de nos perdermos em um mar de informações e frivolidades. O mundo está modificado, pode não haver empobrecimento da arte, mas existe o aumento de artes medíocres, e a “verdadeira” é defendida com mágoa por poucos que ainda se importam com isso, fica cada vez mais difícil saber o que é bom, principalmente porque até as boas artes estão sufocadas por um fenômeno hipermoderno, a existência do Homem Consumidor, porque agora o ser humano é só isso, o mundo é uma vitrine imensa de produtos, o homem quer mais e mais, mesmo que se depare com algo de qualidade não conseguirá entender absolutamente nada; arte como turismo, arte no fator zapeamento, onde se pula de uma para a outra, onde se acumula absolutamente tudo, e neste acumular, artes de qualidade ou não são colocadas no mesmo patamar.

Gilles Lipovetsky é extremista na ambiguidade, não deixa de defender as qualidades, mas critica e aponta todas as novas mazelas. Parece que o mundo está perdido, Gilles acredita em algumas soluções, mesmo que inviáveis. O problema é que o mundo se colocou em encruzilhada, o capitalismo/consumismo domina até ideologias opostas, até suas resistências estão dentro das garras, ideologias são colocadas como produtos para grupos, existem resistências faladas, debates, choques, guerras internas, mas incrivelmente tudo é mais um produto, falta coragem de destruição e oposição na prática que mostre como se viver sem o capitalismo/consumismo, pode ser impossível, mas apenas porque estamos dentro deste sistema; não existe vanguarda, o que existe é o produto vanguarda.

Problemas na educação onde o professor perdeu parte de seu poder ditatorial, o que em partes mantinha cada um em seu lugar, agora o professor não só perdeu o poder como também não é valorizado, nada disso é novo, mas as soluções para uma educação passam longe das ideias antigas de boa educação e formação, é necessário que as novas tecnologias e produtos sejam mesclados ao ensino, para que se tornem ferramentas que o aluno queira usar, assim cairá de cabeça na informação. Não é negando o novo mundo, mas incorporando ele, porque a única coisa incorporada no ensino desta nova sociedade foi o individualismo dos alunos consumidores.

O mundo não tem fronteiras, parece que esta é a lei da Globalização, mas é somente neste avanço tentacular que pequenos grupos, cidades e países entram e choque e resolvem colonizar outros lugares; se a globalização abre portas, também reafirma peculiaridades, cada lugar é ao mesmo tempo turismo em potencial onde as pessoas precisam gastar, mas também abrem filiais em outros, e o fator local se afirma à força de seu egoísmo. Essa ambiguidade foi a coisa mais interessante do livro, embora tudo seja bom, a ambiguidade está ao mesmo tempo em unir os povos, fazer conhecer o próximo, mas reafirmar sua individualidade, porque o próximo não é mais aquele com quem se quer estar ou se relacionar, é consumidor em potencial.

Os valores estão invertidos, não podemos também criticar o problema do mundo como produto ou da propaganda como grande vilã, a “Cultura-Mundo” trouxe qualidade para as mensagens de seus produtos, existem produtos que carregam valores, e não são as funcionalidades do produto que compramos, compramos ideias, compramos a mensagem e o que ela representa, pode ser algo ruim, e definitivamente é, mas é inegável que grandes artistas trabalham para certos produtos, mesmo que a intenção seja vender, as vezes também é fidelizar e marcar o mundo, o homem criou o produto, que criou a marca, que criou a sociedade, isso é irônico, podemos ver propagandas realmente lindas com mensagens de paz e de vida, algo que independe do produto, então a marca se tornou rival dos artistas, alguns artistas deixam a desejar para muitos publicitários. Certos prédios de produtos são lindos, fazem parte da arquitetura local, ou seja, a arte está impregnada nisso até a alma. O mundo não tem jeito, e deixo aqui pequenos comentários que fiz durante a leitura do livro.

1. A Cultura-Mundo de Gilles Lipovetsky é incrível, estou gostando da coragem dele em definir a qualidade na arte contrastando com a futilidade de uma arte feita apenas para abraçar demandas no mercado; no mundo de hiperconsumidores a arte é produto de fácil acesso intelectual sem qualquer compromisso engrandecedor ou de formação de indivíduo. Ele não pega leve e foge daquela papagaiada que diz que a qualidade da arte é relativa. Muito bom.

2. O mais interessante na análise da hipermodernidade por Gilles Lipovetsky é a transformação da marca em uma cultura de marcas, onde os produtos surgem trazendo não mais funções, mas conceitos e estilos de vida para afetar culturalmente a sociedade e formá-la, como era o papel da arte; agora comerciais não almejam apenas avisar sobre o produto, mas serem criativos e belos tanto em conceito quanto em estética. Marca virou cultura com o surgimento do hiperconsumidor, não é mais a sociedade fazendo a marca, mas o consumo (capitalismo) moldando a sociedade pela cultura-marca. Espantoso.

3. O trágico em Gilles Lipovetsky é ficar a certeza de que o mundo já é mundo do consumo exagerado em todos os aspectos, não tendo nenhum sistema para fazer oposição, velhas ideias são meras utopias não práticas, quando surge uma é só oposição em crítica, não fala como mudar e nem melhora, todas as oposições são vendidas como produtos numa prateleira de lutas para comprarmos, estão, mesmo combatendo, sendo vendidas pelo monstro que combatem. Tudo é show e produto. Ou seja, beco sem saída, o capitalismo samba na cara dos opositores porque usa dos mesmos como um produto a ser vendido. Não vejo saída para a hipermodernidade que traz o efeito colateral da liquidez unida ao imediatismo e grande pressão nos ombros do cidadão reduzido à insatisfação do não ter e não ser.

4. Diferente do que parece, Lipovetsky não é pessimista como Bauman, é extremista na ambiguidade, admite todas as vantagens do mundo atual, que Bauman não admite, mas também joga o mundo em um abismo quando mostra suas mazelas, Bauman ficou apenas no abismo, mas apresentava soluções, ambos maravilhosos, representam o pensamento Pós Moderno e Hipermoderno, um completa o outro, nenhum passa a mão na cabeça da sociedade.

5. O mais interessante entre Bauman e Lipovetsky é que o primeiro é extremamente pessimista, o segundo só não é porque contrasta pessimismo com os resultados bons que conseguimos, mas parece que só o pessimista Bauman apresenta desejo de melhorar as coisas. Amo os dois.

6. “Te contar, heim!”. Quando gostamos de filosofia, sociologia e outras coisas relacionadas, incluindo livros mais sérios, os melhores autores são sempre os mais caros. Promoção de baciada disso não existe? Temos que fazer manifestação para baixar os preços. Ironia é gastar quase 100 reais para ler um autor que vai criticar o capitalismo e o consumismo desenfreado, paradoxo. Mas "vambora", sabedoria não tem preço, é necessário fazer esforço para ficar por dentro das coisas. Pena que não consigo ler virtualmente ou digitalmente, sou apegado aos livros de papel, acho que são mais confortáveis. Bora ler que a madrugada está só começando, hoje é ficar puto da vida com o fator cultural com minha nova descoberta, Gilles Lipovetsky. Por sorte comprei o livro dele barato, Cultura-Mundo. GANHEI o livro “Sociedade Pós-Moralista” de uma amigona, Sheila Candido, comprou por 5 reais na faculdade, e o livro custa 83 reais. Isso que é amiga... Sou azarado, não sou estudante para comprar livro mais barato em faculdade, não sou professor, sou apenas um "rapaz latino-americano sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e etc..."... Um dia toda essa informação resultará em algo, mesmo que em loucura. E eu leio por prazer e curiosidade, apenas isso.

7. Fato: As indicações de leitura do Kaio Costa (Livros sobre Fenomenologia) são maravilhosas, complexas, surtantes, mudam visões de mundo, mas são extremamente caras. PQP. Nunca pensei que fosse ficar feliz por ser trabalhador e ter meu salário, mas que dói na "alma" contabilizar os gastos de meu hiperconsumismo, certamente analisado perfeitamente por Gilles, ah, isso dói.

8. No mundo atual a grande quantidade de pessoas em museus, teatros e outros lugares onde se propaga arte não significa que a arte venceu ou está cumprindo sua missão, mas que tais lugares agora são meras paisagens, objetos para turismo, é a ode ao artista e ao show, é o status de ter ido, raros são os que leem a plaquinha na estátua ou que encaram a obra para compreendê-la e absorver algo culturalmente, o foco é ter visto, como um passeio ou mero entretenimento, não é a desimportância da arte nosso perigo, embora muita arte seja feita unicamente para entreter, mas mudou a relação do indivíduo com a arte, mesmo a melhor arte virou mais um patrimônio de evento do que aquele engrandecimento interior. Por isso o aumento de museus espetáculos e interativos, a mensagem não importa, apenas a questão de como segurar um público de sociedade do espetáculo incapaz de absorver a arte e que não está ali por ela, porque independente da qualidade, é o lugar ou a arte quanto lugar turístico que importa. Triste essa real reflexão de Lipovetsky.

9. Mundo hipermoderno afetando nossa relação com os grandes pensamentos, ideias e envolvimento intelectual, não é mais o meio dos pensadores ou os grandes debates que dão credibilidade aos pensadores, mas a mídia e consequentemente a fama criada por ela, ideia ou o avanço dela no mundo ficou para segundo plano, pior, aumenta-se a importância do pensador sem que em nenhum momento o público queira ler e conferir suas ideias para avançar com ele, no popular é a velha mania de se contentar com uma frase e nunca ler a obra para compreender a ideia. O show do debate é venerado, o debate não é compreendido.

10. Ok. Gilles Lipovetsky mostrando que o consumismo reduz o consumidor a um idiota, uma lixeira de informações que mesmo importantes e grandiosas nunca serão compreendidas; o consumidor descredibiliza a arte e sabedoria, nivelando tudo com porcarias e dando a entender e entendendo que qualidade é relativa apenas por preguiça de depurar, enquanto até a melhor ou mais genuína ideia está esmagada para compreensão de poucos interessados que serão chamados injustamente de chatos e vistos como perdendo tempo, porque é claro, para a lei do imediatismo e frivolidade, perder tempo com depuração é pecado, com isso o mercado fortalece a imagem da falsa relatividade de qualidade cultural. PQP. O Homem Consumidor destrói tudo e ainda se acha por isso.

11. Leitura finalizada, sentimento de missão cumprida. Algo aprendido nunca é em vão. Agora é relaxar e refletir sobre as ideias de Gilles Lipovetsky, o cara não é tão trágico quanto pensei, embora, acho que não exista força de vontade da humanidade para melhorar as coisas do jeito que ele diz. Mas está valendo e foi esclarecedor.

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