quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

06/02/2014 - Sobre Discriminar Alunos que usam Bonés em Sala de Aula: Uma Visão Filosófica, Humana e (Quem diria) Baseada em Leis e Capitais do Boné

PL 2728/2007

Origem: PLS 145/2007

Institui a obrigatoriedade de uso de uniforme estudantil padronizado nas escolas públicas, altera o art. 70 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e autoriza a criação, pela União, do Programa Nacional de Uniforme Escolar.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º É instituída a obrigatoriedade de uso de uniformes estudantis padronizados nas escolas públicas de todo o País, para os alunos da educação básica, da pré-escola ao ensino médio, com exceção dos matriculados em cursos de educação de jovens e adultos, sendo o seu uso facultativo, na modalidade de educação indígena.
§ 1º Os uniformes a que se refere este artigo serão fornecidos gratuitamente, à base de 2 (dois) conjuntos completos por aluno, a cada ano letivo, incluindo o calçado.
§ 2º O conjunto completo do uniforme escolar compreende obrigatoriamente calçado, meia, calça ou equivalente, camisa ou equivalente e boné.

Recentemente vi uma professora expulsando 3 alunos da sala porque eles usavam bonés. Ainda bem que não me chamou para tirá-los dali, uso boné, boina, chapéu e todo tipo de derivado, não tenho moral alguma para bancar o ditador nesta área. Então, o coordenador chegou (fiquei com pena dele) e precisou resolver a situação, abordou os garotos, que também não valem muita coisa, e quis saber por que estavam “de boa” no pátio, eles que milagrosamente estavam quietos explicaram o problema do boné, ele chamou a professora e tiveram uma longa conversa. Escutei a explicação carambólica, ele disse que cada professor tem um jeito, alguns não deixam, outros deixam, e que o desejo do professor deveria ser respeitado, então, os alunos deveriam tirar o boné, um deles resistiu porque “tinha cabelo ruim”, não quis mesmo, estava extremamente envergonhado, mas a professora disse que ele só precisava ir ao banheiro passar uma água no cabelo e voltar para a sala sem o boné, em sinal de respeito (acredito), ele relutou, mas foi, afinal, um coordenador ao lado tem o poder de intimidar. Aqui existe um problema interessante, se fosse um professor branco estaria em maus lençóis ao envergonhar o aluno afrodescendente com seu cabelo (que para mim tanto faz, sou indiferente aos cabelos, sou careca, e vai por mim, mais zoado que qualquer um de qualquer gênero que tenha cabelo ruim, os carecas são largam na frente), era uma professora igual a ele, então, deixei que se entendessem.

O último comentário foi pra ironizar a situação, o problema é mais sério que isso, o aluno voltou com o cabelo molhado e ela fez pouco caso falando que não tinha nada demais no cabelo, que ele não deveria sentir vergonha, o que é verdade. Independente disso, temos o problema de todo aluno ter direito à educação. Pesquisei qualquer informação séria e não encontrei, teve até um texto interessante que abordava o lado filosófico, mas lei mesmo nada. Parece que cada escola cria seu próprio regime, mesmo assim, qualquer regime (quando levado a julgamento) perde para a única frase “Todo aluno tem direito a estudar”, ou coisa parecida. O Brasil é uma patifaria, para cada lei existe uma que a contradiz.

Na escola aonde trabalho existem professores de boinas e bonés, de funcionário acho que sou o único, mas isso é irrelevante, não existe lei para isso. Cada um se veste como quer.

Um absurdo 3 alunos não poderem assistir aula porque estão usando bonés, o texto de hoje é sobre a ligação do uso de um acessório na cabeça com o caráter ou com a personalidade de alguém, e sobre a ditadura do "ter que parecer" assim ou assado. Quando uma visão pessoal do que é "correto" ou "educado" serve para discriminar, então o culpado é o julgador e não o julgado.

“Ora, mas você não verá um juiz ou advogado andando de boné durante o trabalho". Pois é, este é outro erro, ninguém deveria ter sua competência julgada de acordo com seus acessórios e vestimentas. Ver um juiz sem boné não significa que o correto é não usar boné, isso seria achar que cargos deveriam ditar ou mandar no comportamento das pessoas, mas ser uma boa pessoa ou tentar ser é o que conta, acredito que até a falta de julgamento moral e estético é um caminho para ser uma boa pessoa, pelo contrário, ver o tal juiz sem boné não significa parâmetro de referência, mas que ele é tão prisioneiro quanto qualquer um.

Continuo defendendo que qualquer visão radical de bons modos e bons costumes podem facilmente se transformar em preconceito e discriminação. Acredito que no mundo, a frase "bons costumes e boa educação" sempre resultou em morte e numa visão umbiguística de ver as coisas.

Podem falar que isso é visão cultural, decisão lógica e ética, qualquer coisa de aceitável pela sociedade, sobre respeito e tudo mais, mas isso não é motivo para seguir. Dou um exemplo: Imagine que você vive na época da escravidão, seria humanamente cruel olhar para os escravos e pensar “Mas isso é culturalmente aceitável, temos que seguir”, pelo contrário, em qualquer época, essa questão cultural comportamental precisa ser revista, não mantida, o primeiro sinal de desumanidade é para questionarmos, descumprir (sendo lei ou não). Olho para o boné e para toda questão de respeito relacionado a ele e penso apenas isso “Ora, dane-se o fator cultural, ou os costumes, vamos superar essa falha, vamos abolir a ideia”. As coisas ruins culturais existem para serem quebradas e deixarmos para lá porque nos tonamos civilizados ou mais humanos e bons, não para seguirmos unicamente porque “manda o figurino ou as regras da boa educação”.

Algumas questões não são vistas de forma correta porque não são extremas. A questão da escravidão e do nazismo são exemplos gritantes disso, atualmente podemos até colocar o machismo ou a submissão feminina como um “cultural ruim”, até hoje existe no inconsciente de que a mulher tem certos papéis, até aquela que trabalha e adquiriu os direitos acaba sendo a responsável dos afazeres do lar, a sociedade é culturalmente machista. Quem defenderia isso como “É sinal de respeito, a mulher tem que baixar a orelha”? Vou mais próximo em nossa época, pensemos nas mulheres de burca, recentemente, há quase um ano, uma colega de trabalho falou que tinha uma colega de faculdade que não tirava a burca e que todo mundo compreendia aquilo como sinal cultural de respeito, e sim, ela defendeu o uso da burca alegando “respeito cultural ou costume e bons costumes”, mas sabemos, qualquer um mais informado que lá no país delas a coisa está feia, mulheres fazem protestos e algumas mais corajosas, colocando a cabeça na guilhotina, fazem campanhas nuas pela liberdade de descobrir a cabeça. A ideia é a mesma, é a liberdade de cobrir ou descobrir que é de uso da pessoa, porém, toda imposição que traz uma punição vai contra o direito do humano de ser aquilo que ele quer e viver como quiser, no sentido estético e conceitual. Aqui o direito do boné, porque ser recomendavelmente aceito como parte dos bons modos não pode ser Obrigatório com direito a punição; do mesmo jeito que a burca lá é obrigatoriamente cultural e pela lei, mas fere o direito da dignidade humana. Obrigar que cubra a cabeça ou obrigar que a descubra não pode ser visto como algo bonito porque tira a liberdade da pessoa parecer ou querer parecer como quiser. Simples assim. Mas é um exemplo grosseiro porque um boné nunca vai se parecer com a crueldade da burca, aquilo é desumano enquanto nossa possível proibição do boné é simplesmente estúpida e deveria ser vista como um acessório qualquer que independe do caráter do indivíduo.

Trabalhei durante anos como arrecadador em pedágio, o boné era parte do uniforme, falavam que protegia a cabeça, até protege, para todos, com algumas polêmicas sobre cabelos caírem ou não, mas mesmo que caiam, ora, quando foi que ser careca virou algo abominável? Quem quiser que não use, quem quiser que use. Algumas empresas usam bonés, outras não, se seu emprego for perigoso você não usará boné, usará alguma proteção mais resistente. Boné deveria ser visto como acessório, apenas isso, opcional.

O problema do boné está em talvez descaracterizar o uniforme (caso o uniforme não traga boné), posso até compreender que o uniforme é parte da identificação de alunos, mesmo que meu lado anarquista seja contra identificações e marcação de pessoas, mas pensando na segurança (vivemos em tempos perigosos) poderia compreender, mesmo assim o que custa permitir e simplesmente pedir que o aluno mostre seu rosto? Ele usa um sombreiro por acaso? Se ele usar, acho bizarro, mas nada contra. Tentando não parecer ridículo, um boné não descaracteriza nada, o uniforme continua lá, é só olhar e você verá, a não ser que ele esteja de boné e pelado, aí seria melhor chamar um psiquiatra, se bem que em qualquer calor dá vontade de andar pelado, mesmo sabendo que isso é “anti-cultural e até atentado ao pudor”, humanamente não sou contra, mas estaria descaracterizado e não poderia entrar... Se bem que esbarra na lei de todo aluno ter direito ao estudo, e outra, quem impediria um estranho de roubar um uniforme e entrar de qualquer jeito na escola? Ninguém.

Por isso que proibir o uso de boné é algo irrelevante, mas que mostra a falta de amor à liberdade do próximo por parte de um pseudo-ditador que acha que aquilo que supõem por respeito deve ser seguido por todos. Por favor, não façam de seus achares morais uma obrigação legal. Se existe uma obrigação que a liberdade pede, esta obrigação é a de tolerarmos as escolhas estéticas do próximo.

Existe a questão que parece comum em todas as escolas, um regime interno que “deve” ser seguido, isso se você não chamar um advogado e pedir que ele lute por seus direitos porque tem todo direito de estar ali. Mesmo assim acho que faz parte de algo horrível, a visão de um líder deveria mandar na aparência das pessoas que frequentam aquele lugar? Para não falar que em um mesmo lugar um chefe da manhã pode permitir e o da noite não. Questões como essas são para mostrar o grau de complexidade do que um único homem deseja, foi a questão que o coordenador colocou, fracamente e medrosamente, dizendo que um professor deixa e o outro não deixa, mas não pode ser arbitrário, a liberdade tem que ser incondicional, ora, imagine na época da escravidão alguém olhar para o escravo e dizer “Na frente dele você é livre, na frente do outro não”, a liberdade tem que ser para todos e em todos os lugares.

Mas educação é difícil, talvez as únicas coisas proibidas ou aceitavelmente proibidas seriam as coisas que impeçam o aluno de prestar atenção na aula, celulares, fones de ouvido, coisas que tirem a atenção... Mesmo assim, acho que todo mundo tem o direito de ser estúpido e não aprender (se uma pena existisse para que fossem realmente reprovados de ano), então, em algum momento ele ia querer largar suas distrações para aprender, cada um faria seu tempo, contanto que não atrapalhe o aprendizado do próximo... Seria permitido tudo, qualquer acessório, fones, distrações pessoais e cada um aprenderia ou não aprenderia como quisesse. A escola apenas ofereceria alguém para ensinar e condições para aprender aos que estivessem ali, cada um que usufrua dos “benefícios” como quiser. O assunto é tão complexo que entraria no quesito “como a educação deve ser?”, sairíamos do foco dos bonés.

Tentei mostrar um pouco de compaixão filosófica por estes 3 alunos que foram expulsos, mas vivemos em um país de poucas chances, onde quem está no poder tem até poder para mandar na aparência e comportamento alheio, ninguém é livre, surgem ditadores até em ambientes que prometem esclarecer mentes e civilizar pessoas. É uma utopia que defendo.

Encontrei algumas regras que defendem a proibição do uso de bonés e tento argumentar contra elas (Tirada de um Diário da Educação Paranaense).
1 – Boné é um lugar onde os alunos podem esconder objetos estranhos ou ilícitos: Concordo, mas dentro da bolsa também, nos bolsos das calças também... O boné ainda ajuda contra raios solares, protege a cabeça, etc...
2 – 3 – O boné seria gerador de indisciplina porque atrai a atenção de colegas que podem querer roubá-lo, então começa uma discussão e logo estão todos no chão se digladiando como na série Spartacus. Essa foi uma visão bem apocalíptica da coisa. Absolutamente tudo pode ser motivo de atenção, a bolsa, o tênis, a pessoa sexualmente, e outra, se o problema da escola é este então só posso lamentar, esqueceu-se de educar pessoas para não fazerem isso, para não roubarem, que escola é essa? Uma penitenciária? As pessoas preferem que as outras não mostrem suas posses do que criar gente que não roube a posse alheia, é o mesmo que pedir para uma mulher não sair às ruas para não ser estuprada, quando o melhor seria educar homens para não atacá-las. Ridículo. O texto também fala que adolescentes podem pegar o boné unicamente para provocar, ora, não precisamos tanto, adolescentes provocam até quem não tem boné, basta passar a mão na bunda, xingar a mãe do outro ou esbarrar no corredor.
4 – Sobre a descaracterização do Uniforme já falamos.
5 – O boné não é educado, quebra decoro social e blá blá blá... Já falamos bem sobre a questão cultural e sobre os bons modos. Não é necessário bater na mesma tecla.
6 – O boné esconde o olhar do aluno e transforma-o em alguém para desconfiarmos ou de difícil compreensão. Parece ser o motivo mais plausível, mas não custa nada aumentar o tom de voz e falar “Olhe nos meus olhos quando for falar” ou “Deixe-me ver teu rosto”. Não sei por que, mas imagino alunos com sombreiros quando vejo essa alegação, ou com capacete de motoqueiros. Trabalho na área e nunca tive problemas em saber quem é quem por causa de um boné, se isso acontecesse, eu iria até ele e pediria para ver seu rosto. O que não podemos é dizer como o homem deve ou não se vestir, porque acessório é vestimenta metafórica.

Para deixar mais divertido, Apucarana é conhecida como a capital nacional do boné, inclusive no senado, Flávio Arns levou um projeto de lei que descreve a vestimenta escolar, entre ela, o boné que serviria para proteger alunos do sol e também por fazer parte da cultura jovem, agora, se a lei visava liberdade ou aumento das vendas de bonés da capital do boné eu já não sei. Sei que legalmente ela se metamorfoseou em outra lei, mais específica sobre a obrigação do Uniforme Escolar, e então... Aquela primeira oficializou Apucarana como Capital Nacional do Boné, e seu desmembramento, depois de ganhar ares maiores, aprovando a obrigatoriedade do Uniforme (embora mesmo sem ele o aluno tenha direito de frequentar a escola)... O tal do boné passou serelepe entre a lista de indumentárias escolares, seu safadinho, passou pela brecha e agora está na lei.

A coisa ficou bagunçada, é mais ou menos assim: A lei está certinha, lei que obriga o uso de uniforme e outra lei que obriga a escola a deixar o aluno entrar mesmo sem uniforme, até o momento, aquela bagunça que começou em 2007 por causa da Capital do Boné, só fortaleceu a emenda de 1996 sobre Obrigação do Uso de Uniforme adicionando a construção do Programa Nacional de Uniforme Escolar, onde foi acrescentado apenas a obrigatoriedade da padronização, com algumas ressalvas, e o nome “boné” acrescentado boiando entre outras peças do uniforme. Atualmente (2014) a lei espera um parecer desde 2013 das partes legais sobre finanças, mas já foi aprovada, só enrolamos por causa da verba que não sai, podemos raciocinar o seguinte:

Se o nome boné está inserido entre outras peças, logo, seria ridículo vetar algo que está previsto como parte do conjunto, porque o boné, legalmente, é parte do uniforme, e enquanto não chegam ou não surgem os bonés padronizados, cada um improvisa como pode, do mesmo jeito que fazemos com calças e a camisetas, quando esses não são entregues. Pela lógica, quando não se recebe, você usa o que tem.

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