quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

05/02/2014 - Da Inversão da Boa Educação, Calma e Exemplo na Educação aos Soldados de Guerra

Educai as crianças, para que não seja necessário punir os adultos. – Pitágoras

Só o Brasil para transformar um trabalho inocente em um verdadeiro campo de batalha, e não estou falando de relacionamentos com colegas, falo sobre a função, o procedimento e aquilo que você precisa fazer para receber alguns míseros centavos. O assunto pode ser polêmico se olharmos pelos olhos da obrigação moral, mais polêmico se percebermos que moralidade pode ser relativa e fica impossível julgar o que você acha certo do que o outro acha certo, e mais ainda sobre o certo ter que ser feito ou não. Não existem parâmetros se misturamos o Brasil com a filosofia comportamental. Mas toda esta questão estressa. Pego como exemplo um colega, gente boníssima, que sabe o que precisa ser feito e faz, simples assim, agora vai um detalhe, nosso salário é tão pequeno, e existem pessoas capacitadas para todos os afazeres e que ganham de acordo com sua função, que fazer outra função seria aceitar receber por algo inferior. Então esta pessoa faz aquilo que tem que ser feito dentro das condições e das leis específicas de sua função. Infelizmente o Brasil é uma grande lata de lixo e voltamos ao campo de batalha cotidiano.
Imagine uma escola, imagine um lugar para se estudar e aprender, sociabilizar com colegas e passar por esta fase da vida, da infância à adolescência, saindo quase adulto responsável. Deveria ser assim em todos os lugares, em alguns países onde a coisa funciona realmente é assim. No Brasil é diferente, falarei de minha função atual; uma pessoa consegue um emprego de agente de organização escolar e pensa que estará auxiliando alunos, professores e a escola quando estes precisarem de um favor ou outro, algo simples em teoria, mas não é assim que funciona, todos estão sobrecarregados, e agora serei justo com todos os cargos, não importando competências, o texto fala sobre aquilo que você achou que ia fazer. Você vira uma mistura de carcereiro, câmera de segurança, carrasco e soldado, tudo menos aquilo que você é pago para fazer, não existem treinamentos adequados para estas novas funções, é quase uma empresa de fachada, por fora tem um título, por dentro é outro negócio; você é contratado, escuta orientações boas sobre seu cargo, sobre ser educado, tratar todos com respeito, “honrar a educação”, e coisa básicas, então com este treinamento para o cargo de fachada, você é jogado na jaula dos leões, esqueça tudo que ouviu, aquilo é propaganda para a mídia e pedagogos televisivos... Fico sentido apenas porque não tive treinamento para isso, quando abrirão os cursos de capacitação para Carcereiro, Capanga e Soldado de Guerra? A guerra começou e até agora nada. Como abordar uma criança drogada? Como detectar bombas pela escola? Um dia estouraram algumas bombas (normal) e uma criança veio chorando para meus braços... E as funções estão longe de auxiliar aluno ou professor, chegamos desanimados porque é como se tivéssemos sido recrutados para ir ao Afeganistão guerrear, pior, só continuamos porque há esperanças de que um dia faremos realmente aquilo para que somos pagos, agentes de organização.
Todo dia chego tranquilo, educado, passivo, pronto para auxiliar naquilo que for preciso, com a cabeça na lei de que o necessário é um inspetor para cada quatro salas, mas é guerra, você está largado em uma arena com 9 salas, outros colegas cuidam de quase 15, é necessário puxar farinha para o saco do agente, professores cuidam de uma sala, enquanto agentes cuidam de todas, mas não julguemos, afinal, professores infelizmente são tão explorados quanto, e muitos fazem mais do que é necessário, ajudam inspetores, cuidam de outras salas e tentam tapar o buraco de outros que faltaram, e vamos mais fundo, a culpa nem sempre é dos que faltaram, estes estão doentes, desanimados pelas péssimas condições e simplesmente desistiram da luta. Mas o pobre é o cara que vai pra guerra porque precisa comer, é triste e deprimente. Então soa o sinal, a espinha gela, uma criança fuma baseado, outra te ameaça de morte, outra começa a socar outra, cadeiras voam, uma mesa é quebrada, o espaço é pequeno e todos se aglomeram e riem de sua cara, mas ora, cadê o inspetor para entrar na arena e domar o leão? Cadê o vagabundo do inspetor? Que zona é essa que ele não vê? Mas não é possível... Quanta incompetência... É como se ele caminhasse pelo deserto depois de cinco dias no sol torturante e não enxergasse nenhum oásis. Ele pensa na escola, não na arena, ele pensa nos alunos, não nos leões, ele pensa em outro sistema que funcione, não no Brasil... Ele pensa em se matar.
Também não existe motivação para professor dar aula, como consequência você se vê largado no meio das feras, se você for peculiar, se tiver alguma diferença, baixinho, gordo, velho, qualquer coisa, então será alvo de bullyng, sim, isso acontece com adultos, afinal, crianças não foram educadas em casa e tão pouco conseguem ser educadas em um sistema que as trata com desrespeito, em meu caso sofri bullyng quando criança por ser baixinho, ganhando todos os tipos de apelidos maldosos, apanhando e outras coisas mais, então saio da escola para meu alívio, fico desempregado e volto para o mesmo ambiente, agora estou mais velho, sou eu quem dá as cartas, posso punir, fazer o diabos... Ledo engano... Se antes eu era encurralado por 30 colegas de classe, hoje sou encurralado por isso vezes o número de salas, agora imagine você trabalhar na segunda maior escola na América Latina!!! Delícia. Hoje não há respaldo e lá estou novamente, sofrendo os velhos bullyngs, pelo menos posso fingir que não ligo, mas que enche o saco enche.
Para não dizer que chego tranquilo, sou um cara externamente tranquilo, internamente estou surtando, quebrando, desesperado, querendo fugir e chorar, mas penso no salário e me sinto vendido e deprimido, em meia hora dou um grito (não gosto de gritar), depois não sou ouvido e é o sentimento de impotência desoladora, não sou o tipo de cara grande que causa medo, nem tenho personalidade assim, sou dócil, sou o cara ideal para trabalhar com educação, educado, falando baixo, respeitador, sim, o perfil certo para o cargo é o meu, sei conversar com cada aluno como eles merecem, como seres humanos, e conversamos bem, mas isso só serviria se eu trabalhasse em outro país onde a educação é tratada como educação, aqui não funciona, subitamente, o cara educado, dócil e gentil se torna irrelevante, até motivo de chacota, quando grito eles riem, xingam-me daqueles apelidos que eu escutava na infância, e quando menos esperamos o bom funcionário é o que grita, trata todos como animais, ameaça, chantageia, que tipo de educação uma criança recebe sendo chantageada com um direito de “ter aula vaga” se ela se comportar? Tá tudo errado, não sei onde vivo, os valores estão invertidos. E sabe o cara educado e gentil? Ele é “o cara que não dá conta”, como se isso fosse defeito e não indício de que a educação precisa ser repensada como educação. Mesmo com valores invertidos, é o que funciona, o trem descarrilhou e de uma maneira passiva não funcionaria nunca. No fim do dia estou agoniado e sou um bicho, gritando com todos, xingando em silêncio, desejando a morte, que todos sejam levados para uma câmara de gás, e me sinto culpado por meus pensamentos porque traí aquilo que sou, o cara dócil que estranha o campo de batalha que a educação se tornou.
Não é texto para culpar ninguém, é para culpar o método e como tudo funciona neste país que só tem educação em suas exceções, a regra está bem longe de qualquer grandeza. Não consigo ver um ser humano que tem atitude, sendo pró-ativo, para se tornar um monstro aos berros como aquilo que a educação merece, mas ela merece e precisa.

No início do texto falei sobre fazer a sua função apenas para ilustrar que as coisas na prática fogem disso, se você não fizer outras funções tudo desmorona. Por isso não culpo o fulano que tenta criar uma bolha para se proteger, ele está apenas tentando ser aquilo que a função pede, ou pior, tentando sair inteiro desta guerra, mantendo a sanidade. Alguns não conseguem manter a sanidade, eu mesmo perdi a minha há tempos, oscilo entre criar uma bolha e ter rompantes de nervosismo, mas tudo que guardo, toda raiva que não solto, toda indignação com o sistema se transforma em grande peso nas costas, grande mágoa, agonia e não existe um segundo que não penso em pular fora do barco, o problema é que eu preciso e com isso eu me destruo. Só não sei até quando suportarei ser um soldado e não um agente. Consegui escapar do exército aos 18 anos, fui liberado, mas metaforicamente fui recrutado aos 30 anos.

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