Educai as
crianças, para que não seja necessário punir os adultos. – Pitágoras
Só o Brasil para transformar um trabalho
inocente em um verdadeiro campo de batalha, e não estou falando de
relacionamentos com colegas, falo sobre a função, o procedimento e aquilo que
você precisa fazer para receber alguns míseros centavos. O assunto pode ser
polêmico se olharmos pelos olhos da obrigação moral, mais polêmico se
percebermos que moralidade pode ser relativa e fica impossível julgar o que
você acha certo do que o outro acha certo, e mais ainda sobre o certo ter que
ser feito ou não. Não existem parâmetros se misturamos o Brasil com a filosofia
comportamental. Mas toda esta questão estressa. Pego como exemplo um colega,
gente boníssima, que sabe o que precisa ser feito e faz, simples assim, agora
vai um detalhe, nosso salário é tão pequeno, e existem pessoas capacitadas para
todos os afazeres e que ganham de acordo com sua função, que fazer outra função
seria aceitar receber por algo inferior. Então esta pessoa faz aquilo que tem
que ser feito dentro das condições e das leis específicas de sua função. Infelizmente
o Brasil é uma grande lata de lixo e voltamos ao campo de batalha cotidiano.
Imagine uma escola, imagine um lugar
para se estudar e aprender, sociabilizar com colegas e passar por esta fase da
vida, da infância à adolescência, saindo quase adulto responsável. Deveria ser
assim em todos os lugares, em alguns países onde a coisa funciona realmente é
assim. No Brasil é diferente, falarei de minha função atual; uma pessoa
consegue um emprego de agente de organização escolar e pensa que estará auxiliando
alunos, professores e a escola quando estes precisarem de um favor ou outro,
algo simples em teoria, mas não é assim que funciona, todos estão
sobrecarregados, e agora serei justo com todos os cargos, não importando competências,
o texto fala sobre aquilo que você achou que ia fazer. Você vira uma mistura de
carcereiro, câmera de segurança, carrasco e soldado, tudo menos aquilo que você
é pago para fazer, não existem treinamentos adequados para estas novas funções,
é quase uma empresa de fachada, por fora tem um título, por dentro é outro
negócio; você é contratado, escuta orientações boas sobre seu cargo, sobre ser
educado, tratar todos com respeito, “honrar a educação”, e coisa básicas, então
com este treinamento para o cargo de fachada, você é jogado na jaula dos leões,
esqueça tudo que ouviu, aquilo é propaganda para a mídia e pedagogos televisivos...
Fico sentido apenas porque não tive treinamento para isso, quando abrirão os
cursos de capacitação para Carcereiro, Capanga e Soldado de Guerra? A guerra
começou e até agora nada. Como abordar uma criança drogada? Como detectar
bombas pela escola? Um dia estouraram algumas bombas (normal) e uma criança
veio chorando para meus braços... E as funções estão longe de auxiliar aluno ou
professor, chegamos desanimados porque é como se tivéssemos sido recrutados
para ir ao Afeganistão guerrear, pior, só continuamos porque há esperanças de
que um dia faremos realmente aquilo para que somos pagos, agentes de
organização.
Todo dia chego tranquilo, educado,
passivo, pronto para auxiliar naquilo que for preciso, com a cabeça na lei de
que o necessário é um inspetor para cada quatro salas, mas é guerra, você está
largado em uma arena com 9 salas, outros colegas cuidam de quase 15, é
necessário puxar farinha para o saco do agente, professores cuidam de uma sala,
enquanto agentes cuidam de todas, mas não julguemos, afinal, professores
infelizmente são tão explorados quanto, e muitos fazem mais do que é
necessário, ajudam inspetores, cuidam de outras salas e tentam tapar o buraco
de outros que faltaram, e vamos mais fundo, a culpa nem sempre é dos que faltaram,
estes estão doentes, desanimados pelas péssimas condições e simplesmente
desistiram da luta. Mas o pobre é o cara que vai pra guerra porque precisa
comer, é triste e deprimente. Então soa o sinal, a espinha gela, uma criança
fuma baseado, outra te ameaça de morte, outra começa a socar outra, cadeiras
voam, uma mesa é quebrada, o espaço é pequeno e todos se aglomeram e riem de
sua cara, mas ora, cadê o inspetor para entrar na arena e domar o leão? Cadê o
vagabundo do inspetor? Que zona é essa que ele não vê? Mas não é possível...
Quanta incompetência... É como se ele caminhasse pelo deserto depois de cinco
dias no sol torturante e não enxergasse nenhum oásis. Ele pensa na escola, não
na arena, ele pensa nos alunos, não nos leões, ele pensa em outro sistema que
funcione, não no Brasil... Ele pensa em se matar.
Também não existe motivação para
professor dar aula, como consequência você se vê largado no meio das feras, se você
for peculiar, se tiver alguma diferença, baixinho, gordo, velho, qualquer
coisa, então será alvo de bullyng, sim, isso acontece com adultos, afinal,
crianças não foram educadas em casa e tão pouco conseguem ser educadas em um
sistema que as trata com desrespeito, em meu caso sofri bullyng quando criança
por ser baixinho, ganhando todos os tipos de apelidos maldosos, apanhando e
outras coisas mais, então saio da escola para meu alívio, fico desempregado e
volto para o mesmo ambiente, agora estou mais velho, sou eu quem dá as cartas,
posso punir, fazer o diabos... Ledo engano... Se antes eu era encurralado por
30 colegas de classe, hoje sou encurralado por isso vezes o número de salas,
agora imagine você trabalhar na segunda maior escola na América Latina!!!
Delícia. Hoje não há respaldo e lá estou novamente, sofrendo os velhos
bullyngs, pelo menos posso fingir que não ligo, mas que enche o saco enche.
Para não dizer que chego tranquilo, sou
um cara externamente tranquilo, internamente estou surtando, quebrando,
desesperado, querendo fugir e chorar, mas penso no salário e me sinto vendido e
deprimido, em meia hora dou um grito (não gosto de gritar), depois não sou
ouvido e é o sentimento de impotência desoladora, não sou o tipo de cara grande
que causa medo, nem tenho personalidade assim, sou dócil, sou o cara ideal para
trabalhar com educação, educado, falando baixo, respeitador, sim, o perfil
certo para o cargo é o meu, sei conversar com cada aluno como eles merecem,
como seres humanos, e conversamos bem, mas isso só serviria se eu trabalhasse
em outro país onde a educação é tratada como educação, aqui não funciona, subitamente,
o cara educado, dócil e gentil se torna irrelevante, até motivo de chacota,
quando grito eles riem, xingam-me daqueles apelidos que eu escutava na infância,
e quando menos esperamos o bom funcionário é o que grita, trata todos como
animais, ameaça, chantageia, que tipo de educação uma criança recebe sendo
chantageada com um direito de “ter aula vaga” se ela se comportar? Tá tudo
errado, não sei onde vivo, os valores estão invertidos. E sabe o cara educado e
gentil? Ele é “o cara que não dá conta”, como se isso fosse defeito e não
indício de que a educação precisa ser repensada como educação. Mesmo com
valores invertidos, é o que funciona, o trem descarrilhou e de uma maneira
passiva não funcionaria nunca. No fim do dia estou agoniado e sou um bicho,
gritando com todos, xingando em silêncio, desejando a morte, que todos sejam
levados para uma câmara de gás, e me sinto culpado por meus pensamentos porque
traí aquilo que sou, o cara dócil que estranha o campo de batalha que a educação
se tornou.
Não é texto para culpar ninguém, é para
culpar o método e como tudo funciona neste país que só tem educação em suas
exceções, a regra está bem longe de qualquer grandeza. Não consigo ver um ser
humano que tem atitude, sendo pró-ativo, para se tornar um monstro aos berros
como aquilo que a educação merece, mas ela merece e precisa.
No início do texto falei sobre fazer a
sua função apenas para ilustrar que as coisas na prática fogem disso, se você não
fizer outras funções tudo desmorona. Por isso não culpo o fulano que tenta
criar uma bolha para se proteger, ele está apenas tentando ser aquilo que a
função pede, ou pior, tentando sair inteiro desta guerra, mantendo a sanidade. Alguns
não conseguem manter a sanidade, eu mesmo perdi a minha há tempos, oscilo entre
criar uma bolha e ter rompantes de nervosismo, mas tudo que guardo, toda raiva
que não solto, toda indignação com o sistema se transforma em grande peso nas
costas, grande mágoa, agonia e não existe um segundo que não penso em pular
fora do barco, o problema é que eu preciso e com isso eu me destruo. Só não sei
até quando suportarei ser um soldado e não um agente. Consegui escapar do
exército aos 18 anos, fui liberado, mas metaforicamente fui recrutado aos 30
anos.
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