domingo, 9 de fevereiro de 2014

09/02/2014 - Contra a Adoração aos Exemplos de Vida

A teoria da aleatoriedade é fundamentalmente uma condição do bom senso. – Leonard Mlodinow

Não sei por que toda essa adoração aos exemplos de vitória, odes às lições de vida e moral da história, se o que serve para um não serve para outro, se muitas vezes os resultados de uma mesma ação são aleatórios. E é assim mesmo, você pode pegar o caminho número um e não vencer, outo pegar o caminho número um e vencer, mesmo que façam as mesmas coisas por este caminho, e é ainda mais complexo, pode pegar o caminho um e não vencer, depois pode pegar o mesmo caminho segundos depois e vencer, a mesma ação de uma mesma pessoa pode ter resultados diferentes em épocas diferentes ou até mesmo na mesma época, dependendo de fatores externos que você não tem controle.

Vejo legiões de pessoas lambendo pés de vitoriosos, e não critico os vitoriosos, ainda bem que são, mas são estes fãs do sucesso alheio, não de maneira construtiva, mas como um desafio aos pessimismos, como uma arrogância da certeza de que tudo vai dar certo, alimentando esperança no peito de pessoas que poderiam muito bem abrir os olhos e serem mais realistas. Somos bombardeados pelo empobrecimento cultural, cada vez mais histórias de superações são transformadas em filmes, livros ou posts tacanhos para abrilhantar redes sociais de ingênuos. No fundo todo mundo quer vencer, talvez não se respeitem tanto, as pessoas se deixam em segundo plano e se agarram aos exemplos para não precisarem lutar, mas sentirem que vão dar certo ao lutarem, e nem ao menos analisam seus dilemas particulares que pediria soluções particulares (ignorando variáveis) e se conformam por alguém já ter vencido, ficam confortáveis, sentem que já venceram apenas pela adoração do vencedor, nada fazem. Simples assim.

Exemplos de vida não podem nos ensinar nada, talvez nos deem opção, mas não é certeza de que seremos qualquer porcaria se fizermos igual, alimenta apenas a cultura dos exemplos. Todo mundo serve de exemplo, quando crianças somos comparados aos nossos primos mais comportados ou inteligentes, não querem que sejamos quem somos, querem que sejamos os outros, é isso que essa cultura representa, a anulação do eu e engrandecimento do outro, quando você percebe que não é nada, mas poderia ser algo se fosse igual aquele que venceu, triste assim, triste e simples, antes fossemos nosso próprio exemplo de vitória ou derrota, e mesmo assim seríamos relativos para nós mesmos, porque é bem possível que não tenhamos nada para aprender com nossas cagadas passadas, você foi educado e se machucou? Isso não significa que sendo educado irá se machucar novamente, o exemplo e a experiência servem como ilusões de um falho manual de instruções. Você pode ter roubado e ter sido preso, então acha que se fizer de novo também voltará a ser preso, mas não, nada indica isso, pode ser que ninguém o pegue nesta segunda vez. Tudo é mar de grande variável e aleatoriedade, onde o outro não nos serve de exemplo e nem nossas próprias atitudes ou história de vida servem como parâmetro para qualquer modo de agir.

O que talvez seja mais assustador é este abismo da incerteza, saber que navegamos em um mar revolto que pode ficar calmo ou destruir nosso barco sem sabermos quando e como, é nossa necessidade de abraçar o caos da vida e perceber a inutilidade de qualquer ação. Não defendo o fator “Não fazer nada”, mas não posso negar que pelas probabilidades ainda exista possibilidade mesmo que mínima de vencer mesmo sem fazer nada. O que você pode fazer é aumentar a porcentagem de chance de vencer fazendo algo, mas isso não te faz especial porque pouca chance é tão chance quanto muita chance.

Esse texto não é sobre a aleatoriedade do sucesso ou sobre nossa impotência vital, mas sobre a babaquice da babação de ovo aos que venceram. Aqui precisamos fazer uma separação, não falo sobre inspiração, mas sobre usar o outro como parâmetro para o que fazer e achar que chegará ao mesmo lugar. Você pode se inspirar em grandes pessoas, é até recomendável, admitir que há qualidade de guerreiro em outro, isso é lindo, mas inspire-se como uma maneira de pensar o que pode fazer por si mesmo, quais seus sonhos e tentar segui-los, nunca como um manual comportamental, porque nada indica que você chegará àquele lugar se fizer tudo que o outro fez, se for tão nobre quanto o outro, tão educado e boa gente quanto o outro, sucessos e realizações de sonhos independe de bondades. Não se reduza à mera sombra do próximo. Não tenho dicas para vencer na vida, talvez todas as nossas ações sejam ridículas, mas acredito que, diferente do que pensam, ver que alguém venceu por este ou aquele motivo é parâmetro para não fazermos igual, afinal, quais as possibilidades de novamente o dado cair no número que já caiu? Existe, mas não é certeza, e a aleatoriedade de resultados, ou o resultado diferente é o mais provável. E quer saber? Mesmo sem fazer nada se pode chegar a qualquer lugar, o mundo muda, independente de você, as pessoas estão se movimentando, o chão tremendo, a geografia pirando, a história forçando nossas vidas, e aí é impotência demais para conceber, as variáveis são responsáveis por grande parcela de nossos acontecimentos. Abrace o abismo e só, apenas isso.

Um comentário:

  1. Ótima colocação! Inclusive me lembrou de uma música da Escola de Escândalos sobre "o sucesso dos amigos". Embora tenham ocorrido diversas interpretações da letra, o intuito dela era falar sobre as pessoas que se contentam com o sucesso dos outros, pegam pra exemplo e acham isso o máximo. Na verdade, pelo que eu sei, tal letra foi feita quando se deram conta que a banda deles, ótima banda por sinal, ainda estava no underground de Brasília, enquanto algumas poucas outras bandas, nascidas na mesma época e mesmo cenário estavam fazendo um sucesso tremendo no resto do Brasil.
    O nome da música é O Grande Vazio.

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