segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

10/02/2014 - Uma Crítica ao Livro "Ainda Resta uma Esperança" de J.M. Simmel

1- O homem tem o direito de viver pela sua própria lei/ de viver da maneira que ele quiser;/ de trabalhar como ele quiser;/ de brincar como ele quiser;/ de descansar como ele quiser;/ de morrer quando e como ele quiser. – Aleister Crowley


Ao saberem que sou fanático por leitura, esquecem que criei senso crítico e acham que aceito qualquer porcaria. Não quero insultar quem curte tais livros, acho que toda leitura é válida, mas fazer ode a um livro estúpido é demais para minha cabeça. Por isso me dou o direito de não gostar, de discordar e achar certas leituras um insulto. Depois de ver uma amiga entusiasmada com uma leitura, falando que eu “tinha porque tinha que ler”, pedi que trouxesse o livro, aos poucos fui lendo e desconfiando da leitura; muitas vezes as pessoas não indicam livros porque são bons, mas porque existe uma cultura de salvação pela leitura, esse é outro problema complexo que abordarei em outro momento, não indicam porque acham que é bom entretenimento ou vai nos fazer mais inteligentes, engrandecedores e críticos, ou que o livro significa ousadia e provocação aos sistemas estabelecidos, pessoas são simples, indicam porque percebem que você está em um momento ruim, e querem que você encontre a paz, infelizmente as pessoas usam livros como usam suas religiões, infelizmente as religiões usam a arte literária para se passar por arte e simplesmente regurgitar seus ensinamentos em nossos ouvidos e bom senso, com foco em eliminar, doutrinar e nos fazer mais adeptos dos santos e seus demônios. Aconteceu comigo infelizmente, não preciso ser salvo, ninguém precisa ser salvo, a não ser literalmente se você estiver se afogando, sendo assaltado ou pronto para morrer e necessite de uma ajuda direta, de outra forma nenhum espírito precisa ser salvo, absolutamente nenhum, não existe salvação e nem essa porcaria de espírito, talvez uma essência perturbada, mas antes de salvá-la, é preciso aprender que esta perturbação faz parte do mundo e temos que conviver com isso.

Aconteceu com a leitura de “Ainda Resta uma Esperança”, e nem sei por que aceitei lê-lo, mas a pessoa que indicou estava tão feliz, tão confiante que era uma leitura obrigatória e principalmente que eu precisava lê-la, que li. Tudo bem, só podemos criticar depois de ler, foi o que fiz, agora tenho “moral” para sentir-me afrontado.

J. M. Simmel é um caso complicado de autor, poderia ser colocado nas estantes de autoajuda, espíritas ou religiosos, e não é o espiritualizado inteligente de Hermann Hesse, sua espiritualidade é realmente doutrinária, ele é explícito e moralista, julga a negatividade como se o mundo não precisasse dela, inverte todos os conceitos para humilhar seres perturbados e de visão peculiar da vida; é necessário que eu defenda a perturbação apenas porque esta é tão importante quanto a paz, ambas são irmãs gêmeas e devem ser respeitadas, ele usa de sua religiosidade para julgar qualquer desconforto como “pecaminoso”, afinal, como ele mesmo diz, “O único pecado é não ter esperanças”, ora, como isso? Pecado? E fora que a esperança, mesmo que boa para alguns, traz o lado perigoso do contentamento ou do conformar-se com pouco. Não, “não existe pecado do lado de baixo do Equador, vamos fazer um pecado rasgado, suado a todo vapor”, ou “Eu quero ter tentação no caminho porque o homem é o exercício que faz”. J.M. Simmel equivoca-se em seu discurso esperançoso, seu livro vira uma literatura espírita na versão católica ou doutrina dominante. O livro começa bem, o personagem que achamos ser o principal quer se matar, até aí achei ousado, embora o tema não seja novo, mas suicídio é tabu e isso sempre rende boas histórias, até que o cara é zombado de todos os lados, invés de serem compadecidos a ele, acham que o homem está “de frescura”, e isso não é crítica à sociedade que desvaloriza a dor, é simples e pura visão do autor e de seus personagens, até que o personagem é jogado para segundo plano e o protagonista vira um senhor esperançoso, bom e moralista ao extremo, todos o adoram, ele é responsável por boa parte de trechos inteiros da bíblia colocados neste romance mosaico.

Não sei se é por ter sido criado ao lado dos grandes romancistas, lembro-me de ler Victor Hugo em Trabalhadores do Mar, leitura densa e pesada, para depois de mais de 500 páginas ver tudo ir por água abaixo, ou então Conde de Montecristo passando parte de sua vida remoendo uma vingança para depois arquitetar tudo, ou até mesmo Ratos e Homens de Steinbeck que é a coisa mais desoladora e real do mundo, Os Ratos da literatura nacional que conta terrivelmente a agonia de um cara comum, ainda lembro de Kafka, Camus, entre outros mestres da verdadeira crítica social... Mas “Ainda Resta uma Esperança” é um livro fraco, sem atrativos, sem ousadia, a própria critica social não é destinada aos sistemas e verdadeira guerra, mas aos homens que com fé no coração poderiam resolver seus problemas, com deus, fé e amor, ora, isso é chamar a vítima de culpada, é desvalorizar a dor humana. Antes ver a trajetória de um homem que perdeu tudo e vai enlouquecendo para sentirmos a verdadeira crítica social, do que ver todas as dores rebaixadas ao posto de frescura, ver essa ode à esperança exagerada por trechos de um livro santo que representa o desrespeito do autor com os diversos credos que o leriam, mas ele é um autor específico, e para seu público ele pode ser eficaz, não podemos chamar isso de literatura engajada (porque é nítido que ele tenta ser engajado), se eu quisesse ler a bíblia eu leria a bíblia, mas como já li a bíblia, sei que existem livros de fantasia bem melhores e mais emocionantes que ela. Poderia lidar com este romance como um livro de fantasia onde tudo é superado, tudo acaba bem e toda lição de moral é passada, mas o livro falha até nisso pelo ridículo das soluções mágicas que surgem, é o problema de “Deus-Ex-Maquina”, porque, por pior que esteja, o homem ainda será culpado por sua dor, como se o escravo fosse culpado por sentir-se triste por ser escravo, e não o senhor de escravos ou a sociedade por escravizá-lo, da cartola surge uma solução e aí tudo acaba bem, até dinheiro cai do céu no romance, todo mundo é bom, nobre, todo mundo se reúne para ajudar todo mundo, a união faz açúcar ou rouba açúcar, quem ler entenderá; para uma mente fraca em arquitetar soluções criativas, mesmo para uma trama específica para cristãos que abraçam ursinhos carinhosos, o livro deixa a desejar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário