quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

27/02/2014 - Neurônio-Espelho - Reflexões Sobre a Empatia

Minha última paixão é o cérebro humano, objeto mais complexo do mundo, infinito em suas possibilidades, ou parece ser infinito, junta o melhor da carne com o mais estranho fenômeno dos pensamentos. António R. Damásio nos surpreende com suas análises e constatações, considero um homem corajoso, e foi durante a leitura de “E o Cérebro Criou o Homem” que me deparei com uma constatação violenta, a existência de Neurônios-Espelhos: Quando ergo a mão com um copo, em teu cérebro (se você for meu expectador) o mesmo acontece, existe algo dentro de ti que brilha e indica que faz o mesmo movimento que acompanha; artistas teriam isso também bem apurado, para não falar de nossa imaginação, porque ao imaginar, com base naquilo que conhece, teu cérebro ativa o espaço no cérebro mostrando que você faz tal coisa.


Isso é o sentimento de Empatia, nua e crua, esqueça qualquer bondade ou sentimento transcendente, esqueça qualquer relação anterior, a verdade é que teu corpo é replicador do sentimento de fazer o que o outro faz, então você compreende. Mas essa ideia traz repercussões filosóficas, imagine um homem que sente prazer ao presenciar cenas de estupro e pedofilia; usando do mesmo fato, quando assistimos a um filme pornô, é ativado em nosso cérebro áreas que repetem o movimento dos atores, então sentimos aquilo como real porque literalmente vivenciamos internamente, sentimos prazer e chegamos ao orgasmo. Voltando aos homens “cruéis”, estes sentiriam prazer com um crime porque a empatia é tão poderosa biologicamente, que incrivelmente não estão focados na vítima, mas no criminoso; como o criminoso sente raiva e fica excitado, eles também estão com raiva e excitados. Isso não significa que videogames fazem pessoas serem ruins, afinal, a maioria, mesmo que do lado do vilão, sentem a empatia pela vítima, ou até mesmo, entram em choque com a realidade de seus instintos pacíficos, são bons e continuam bons. Pode ser que exista escolha, a escolha de foco.

Porque simpatizantes dos preconceitos e dos criminosos ficam felizes e satisfeitos com maldades? Eles estão sentindo o ponto de vista do criminoso, cada um traz sua razão e sua verdade, constituída por outros fenômenos neurais; quando sentimos aversão, ficamos putos da vida ou revoltados porque estranhamente nos colocamos no lugar do “vilão”, tudo em nós indicava que éramos contra, logo, essa contrariedade vem porque “fizemos algo que não queríamos”.

Neurônios-Espelhos abrem possibilidades reflexivas. A possibilidade de causar dano sentimental no outro, basta fazer algo vil, por isso que torturar alguém fazendo assistir alguma tragédia, é pior que cometer a própria tragédia nela, ela não só presencia como vivencia, se ela fosse o alvo da tragédia, estaria ocupada demais sentindo a dor para poder sentir que está contrariada vivenciando por tabela. Talvez a lavagem cerebral seja isso, quando assistimos muito uma coisa, quando as imagens são jogadas, nosso corpo participa, aos poucos se tornam parte de nós.

Por isso que, para quem trabalha com grande quantidade de crianças atentadas, agitadas, é possível chegar ao fim do dia estressado e cansado sem ter se agitado, seu corpo pode estar se cansando mentalmente de tanto repetir o dia e os gestos destas crianças.

Outra pesquisa ainda relacionada, está no fato do corpo registrar estes mesmos movimentos, sem perceber você começa a pensar em uma pessoa, acha que algo está acontecendo, não entende, mas se reconstituir os próprios passos, perceberá que algo o levou a isso, no caso do doutor Damásio, ele tinha repetido anteriormente e inconscientemente os movimentos da pessoa que veio à mente, logo, para estes movimentos puxarem a lembrança, quer dizer que os movimentos estavam marcados nele a ferro e fogo, ou seja, a repetição diária dos movimentos alheios cravou a pessoa quanto memória, e pode ser despertada sempre que repetir tais movimentos.

A escolha do foco talvez seja o mais importante nisso tudo, mostra nossas maldades e bondades, porque, qual motivo faria um homem simpatizar com um criminoso e não com a vítima? Claro que estas questões não serão respondidas apenas tendo como base estes neurônios, somos mais complexos que o funcionamento de apenas uma parte do cérebro, mas é natural, e por isso mesmo incrível, e não tão vilanizador assim, que podemos sentir prazer ao verificar uma cena hedionda. Acho que o mundo acaba de se dividir em focos, quem sente aversão e quem sente prazer, quem se coloca no lugar da vítima e quem se coloca no lugar do criminoso, no final, é tudo grande empatia.

Descobrir isso tona tudo mais humano e compreensível, agora poderei compreender o porquê alguns compreendem certos tipos de coisas; o compreender deixou o ramo do impalpável e se tornou fisicamente biológico, quimicamente aceitável, não precisou de esforço intelectual algum para sentir na pele certas atitudes do outro, e de quebra, desbanca a ideia que “Só mesmo passando por isso para saber”, nem sempre, quando algo nos acontece, afeta todos que assistiram isso, claro, se não estiverem prestando atenção em quem nos cometeu o mal.

Usarei como exemplo uma pequena brincadeira entre amigos, há tempos conheci um rapaz que era extremamente paranoico e com mania de perseguição, suas ideias indicavam isso, mas não só suas ideias, isso afetava seu comportamento, evitava certas pessoas e situações por achar que estava sendo seguido ou perseguido, virou meu melhor amigo e fui exposto a doses diárias destas repetições comportamentais unidas ao fator mania de perseguição. Hoje faço a mesma coisa, tenho as mesmas atitudes de evitar algumas pessoas por um pequeno sentimento de mania de perseguição e paranoia. Quem sabe nossos distúrbios não sejam, além de sintomas pessoais, muita coisa assimilada? Não descarto a possibilidade. Se isso for verdade, podemos afirmar que evitar tais pessoas seria evitar que nos estraguem, mas ainda não é o suficiente, isso serve para pessoas fracas que não trazem o domínio de suas ações, eu teria que direcionar meu foco para outra coisa, atitudes que talvez eliminassem minha assimilação deste comportamento paranoico. O mais nobre seria continuar amigo, e ainda tentar, pelo mesmo modo, faze-lo assimilar minhas atitudes positivas... Mas não faço isso simplesmente porque sou extremamente sensível, absorvo todas as merdas do mundo, sou um receptáculo de desgraças (ou melhor, somos, e não adianta fugir, o mundo é desgraçado), acho bom e isso é minha maior qualidade, crio essa grande empatia, o mundo não precisa de fugas ou “evitações”, precisa de grandes empatias. De que lado você está, do lado da vítima ou do criminoso? Ainda temos nosso livre-arbítrio? Quem sabe!

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