Quanto
mais proibido/ Mais faz sentido a contravenção/ Legalize o que
não é crime/ Recrimine a falta de educação – Rita Lee (Obrigado
Não)
No dia 31 de Janeiro de 2014 a Rede
Globo televisionou o primeiro beijo gay da teledramaturgia, mas precisamos
abrir aspas, isso já tinha acontecido em outro canal com um casal de lésbicas,
e agora, correndo o risco de soar redundante, abrimos outra aspas para a
seguinte conclusão: O beijo lésbico foi irrelevante para “a causa”, sendo
melhor ou pior, tudo porque aquele primeiro beijo não foi corajoso, ora, duas
mulheres se beijando, mesmo significando avanço para “a causa” ainda faz parte
de um dos fetiches mais batidos de todos os tempos, é a história do feminino,
da sensualidade, o beijo é conceitualmente o instinto mais delicado, sendo
brusco ou leve, desde sempre homens imaginam mulheres se beijando, outras
mulheres nem se incomodam (tirando velhos reaças de sempre), no inconsciente
popular medíocre sentimento ou sentimentalismo é de direito feminino, quando um
canal entrega um beijo assim é como se chovesse no molhado, e pior, apenas
presenteasse o público com uma mera fantasia erótica que agrada homens e
mulheres, os homens amam, e as mulheres sentem que é mais um tijolo para a
causa (que é antiga) das mulheres, não da comunidade GLS. Quando um canal
entrega um beijo gay entre dois homens é transgressão, insulto aos bons modos
tacanhos, injúria para a família brasileira, e mais ainda, um canal como a Rede
Globo (esquecendo toda questão sobre manipulação, que não interessa nesta
análise) é realmente algo corajoso e de grande força e repercussão (sendo ou
não busca por audiência).
Toda transgressão precisa de autofalante
gigantesco, tem que incomodar, ser ouvida e vista, não adianta gritar pelas
vielas, como no caso de um canal sem tamanha fama na área da teledramaturgia
que resolve apenas entregar fetiche. Uns podem dizer que isso não é novidade, e
para qualquer um mais instruído realmente não é, mas é necessário, porque o
meio importa, não interessa se o cinema já utilizou beijo gay, cinema não é tão
popular quanto novela, não é tão acessível, embora hoje em dia esteja
banalizado, consideramos o cinema como uma viela de luxo, apenas isso, e de
nada adianta gritar pelas vielas. A Rede Globo (querendo ou não) tem nome,
credibilidade (questionada ou não) e é a mais importante em matéria de Novelas,
isso é inegável, mais transgressor que isso seria apenas se a novela fosse apresentada
de tarde no vale à pena ver de novo e para todos os públicos, e mais que isso,
se a classificação do beijo gay não fosse “para maiores” ou “aspirantes a
maiores”, vocês me entenderam, ainda é tabu e o beijo gay não é tão batido
quanto pensam, ainda é novidade e precisa transgredir mais, afinal, se até na
Branca de Neve tem beijo com classificação livre, porque dois homens não podem
se beijar também com classificação livre? Ah... Os bons modos... Bons modos é
ser educado e boa pessoa, beijo é beijo, indiferente de seus participantes e
assim deveria ser visto.
Alguns podem reclamar que todo mundo
fica falando sobre o beijo e não percebem que a novela insulta a inteligência com
seus personagens de péssimo caráter, sobre o personagem ser vilão e tudo mais,
apenas desviam de assunto, porque na vida real também é assim, neste mundo de
grandes lutas todo preconceituoso sente medo de ser preconceituoso e em sua
mesquinharia tenta desvalorizar a causa ou focar no caráter para provar, por
outros motivos, que aquele gay não presta, só pra não ter que admitir seu motivo
maior, do puro preconceito. E quando foi que personagens de péssimo caráter
foram exclusividade da Novela Brasileira? Vivemos na maior era dos anti-heróis,
seja nos quadrinhos ou seriados americanos, lá existem assassinos e pessoas
terríveis que em boas histórias também se entregam ao amor, podemos pensar em Dexter,
House, ou até feitores de metafetamina que querem deixar um legado para a
família, todos aplaudem, todos sorriem e esperam ansiosos pelo próximo
episódio, elevam o status da arte externa e rebaixam a Novela Brasileira,
quando não existe diferença alguma, os meses que uma novela é televisionada se equiparam
aos anos que uma série é televisionada, ambos enchem linguiça e levam histórias
adiante, e todo mundo espera. Essa mania de rebaixar a teledramaturgia e elevar
a arte dos seriados americanos é no mínimo hipócrita, mas não é sobre isso o
texto, é sobre a ideia do beijo ser importante para qualquer personagem e
público, herói, anti-herói ou vilão, simples assim.
Pensemos nos grandes vilões do cinema,
Hera Venenosa e Batman são a coisa mais sexy do mundo, todo mundo adora ver ela
se entrelaçando com ele, e ninguém grita revoltado “Ora, mas ela não presta”,
simplesmente curtem o beijo. Pra não falar que muitas vezes fazem ode ao amor
como meio de regenerar alguém, mas quando o caso é do beijo gay, esquece-se de
tudo e resumem o avanço a “O cara não presta, isso é um insulto”.
Temos outro detalhe, parece que o beijo
não foi aquele beijo caliente, como no caso das mulheres do outro canal, então
ficam decepcionados porque dois homens não se atracaram como bichos, mas talvez
seja esta a grande transgressão, seria natural esperar comportamento delicado
de duas mulheres, mas ainda não aceitam o momento delicado entre dois homens,
algo terno, sem nada demais, porque o beijo é assim, sem nada demais, é muito
mais transgressor mostrar dois homens delicados e suaves do que dois caras se
atracando. E qual o efeito colateral desta tática? Combate-se o preconceito e
de quebra insere na imaginação popular o desejo de ver dois homens se atracando
com fervor, acho que por este lado, “a causa” foi extremamente feliz e sapateou
legal no inconsciente popular. Quando uma população deseja ver duas figuras
másculas se entregando violentamente porque ficaram decepcionadas com um beijo
meia boca, é porque o mundo conseguiu caminhar um pouco rumo à liberdade sexual.
Quando dois homens se beijando são elevados ao status de fetiche, como sempre
foram as mulheres, é porque a humanidade pode sentir orgulho de si mesma, por
terem vencido uma barreira ridícula de preconceito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário