quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

20/02/2014 - O Fim da Existência do Sentimento do Eu

Eu... eu... nem eu mesmo sei, nesse momento... eu... enfim, sei quem eu era, quando me levantei hoje de manhã, mas acho que já me transformei várias vezes desde então. - Lewis Carroll



Descobrir muda tudo, imagine uma descoberta fundamental, que os raios solares podem causar câncer de pele se exagerarmos em nossa exposição sem proteção, isso é real, mas antes de qualquer descoberta ou proliferação do que foi descoberto, não havia tanta proteção neste quesito, então, obviamente, muitos adoeciam sem saber, esse foi apenas um exemplo para uma nova questão, mais profunda, complexa e que exige um esforço de nossa capacidade de pensar ou de ser.

Foi lendo Sam Harris que vi meu próprio absurdo e desconhecimento do que sou, antes disso, mesmo sendo cético, tinha inconscientemente uma ideia como todos têm, que há diferença entre o eu e a máquina, isso acontece porque confundimos coisas com pessoas, ou coisas com essências (não sei descrever), um exemplo: Você olha para um carro e fala “Meu carro”, olha para um livro e fala “Meu livro”, ou “O livro”, mas isso abre espaço para uma confusão mental, quando o homem olha para seu braço e diz “Meu braço”, olha para seu corpo e diz “Meu corpo”, olha para seu cérebro e diz “Meu cérebro”, e essa expressão causa no primeiro caso uma separação entre eu e coisa, consequentemente, quando se confronta com a questão do eu ou do que sou, também cria inevitavelmente e erroneamente essa separação entre eu e coisa, neste último caso a coisa construída pela mente seria o corpo, dando uma impressão de que você é separado deste. Não falo da consciência porque esta está sendo analisada e estudada, tão pouco falo de personalidade, porque ainda há dois tipos de entender a si mesmo, o primeiro são nossos diversos comportamentos dependendo de onde estamos e em qual grupo, podendo variar, fazendo-nos vários em um mesmo dia e “corpo”; o eu que trago na questão é o que realmente somos, não nosso comportamento diferenciado, porque não há essa diferença, somos isso e pronto, não podemos falar “Meu corpo”, “Meu cérebro” e nem “Meu eu interno que independente do todo corporal que sou”, porque incrivelmente meu corpo sou eu, meu cérebro sou eu, tudo isso é parte de mim, são pedaços e não um bem que eu possuo quanto algo que pode ser separado, não existe este alheio de mim, apenas o “mim”.

Isso foi um choque e é complexo para compreender. Dando um exemplo vulgar e que pode gerar polêmica, usarei um exemplo esdrúxulo que dias antes de finalizar a leitura aconteceu em minha vida. Debatia com um amigo sobre o que acontecia depois da morte, quando ele perguntou, mais especificamente para onde iria nossa consciência, ou melhor, “O que acontece quando o corpo morre”, como se estivéssemos apenas vestindo uma roupa, mas essa ideia levantada por Sam Harris responde, pelo menos parcialmente a questão do eu desligado do corpo, porque é uma construção de nossa mente que sempre separa coisa do eu, mas neste caso está tão fundido que não poderíamos conceber essa ideia. O eu desaparece quando procurado porque é ele quem procura, é a ideia explicada por Harris, pode existir a consciência em todos os seus níveis, e isso estudaremos, mas este eu é praticamente inexistente, nunca poderemos nos tocar ou tocar em nosso eu, porque somos o eu que quer se tocar. Isso acaba com a sensação de “Meu verdadeiro eu”, porque não existe um falso eu, tudo que existe e inexiste é o eu, existe porque somos isso e pronto, inexiste porque é inalcançável. A ideia parece paradoxal, mas não é, é apenas uma explicação de que somos unos em nossa máquina e em todo funcionamento corporal, mesmo que o eu seja composto por partes e cada parte comande algum aspecto de nossa vida. Não consigo criar um exemplo prático e acessível, vamos imaginar um quebra cabeça, este é nosso eu, dividido em muitos funcionamentos e importâncias, porém, não existe uma separação da imagem que ele criará e dele, não há uma essência em si, a imagem é o quebra cabeça, o quebra cabeça é a imagem, a imagem nunca poderia dizer “Meu quebra cabeça”, e nem o quebra cabeça falar “Minha imagem”, porque não existe a relação do eu com algo que lhe seja externo, eles estão fundidos.

Quando parei diante daquela explicação da neurociência para essa confusão que nossa mente cria ao separar pessoa de objeto até para “coisas” que sejam a coisa e o objeto ao mesmo tempo, percebi que meu eu tinha desaparecido, pode parecer que perdemos nossa peculiaridade, mas talvez não seja isso, estamos apenas mais fundidos ao nosso eu, porque somos o nosso eu, somos aquilo que separamos, não há separação. Pode ser que essa coisa do “pensar” possa ser simulada em uma máquina, isso só fortaleceria a ideia de que algo construído também foi construído por nosso corpo ou nossa biologia, talvez sobreviva ou não, ninguém pode saber, mas incrivelmente não existe uma separação do eu com a coisa, sempre precisaremos dessa união material, logo perecível, pode ser a construção do funcionamento do pensamento. Por isso que ao passar por uma operação, muitas vezes a pessoa apaga e pronto, o corpo apagou por conta de uma reação química no organismo, alguma droga ou remédio, e tudo aquilo que é afetado por uma afetação química em nosso corpo, o cérebro, é inevitavelmente uma construção do próprio corpo, não sendo separado dele.

O meu eu foi desfragmentado após a leitura, posso me compreender como uma única coisa, aquilo que chamamos de alma é só uma ideia, essa ideia é do próprio eu, é o eu, não podendo existir longe dele. Definitivamente a ideia é mais complexa que isso, recomendaria que lessem as pesquisas sobre o eu, sobre o pensamento e principalmente as ideias de Sam Harris sobre o eu, que podem não ser explicadas com linguagens leigas ou filosóficas, mas que, quando conhecidas, mudam por completo nossa visão do que somos e de como o mundo funciona.

Sou uma coisa que está progredindo, mas uma coisa única, sem separação entre o eu e a essência, não posso me tornar o que sou, porque sou e pronto, no máximo serei de acordo com minha transformação gradativa, e se me perguntarem novamente para onde vou depois que o corpo morrer, infelizmente toda questão será pensada e não poderei separar o eu do pensar, pelo menos quanto algo separado de mim; isso significa que não conseguiremos separar ou fazer nosso pensamento sobreviver? Não significa, mas não é um agente místico, é apenas uma tentativa humana de salvar esse fenômeno do pensar ou simular isso em algum lugar, não sendo a mesma coisa, mas é para isso que nosso progresso existe, para sobrevivermos e burlarmos as leis da natureza. Sou meu eu e ele acaba de desaparecer, ou melhor, não sou meu eu, porque não existe o meu, apenas o eu. Definitivamente não posso mais falar “meu eu”, porque eu não tenho um eu, eu sou um eu. Sabe o que é mais assustador? Talvez eu não seja nem eu, mas o eu seja uma construção do que sou, então sou apenas o sou.

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