terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

04/02/2014 - Sobre a Farsa de Trabalhar para Realizar Sonhos Artísticos

A diferença entre a Arte e a Vida é que a Arte é mais suportável. – Charles Bukowski

Este texto não será sobre sonhos comuns, mas sobre sonhos artísticos. Quando falamos em alcançar sonhos artísticos, geralmente as pessoas usam os velhos discursos sobre “Precisa trabalhar em qualquer coisa para ter dinheiro para realizar seus sonhos”, e é este pequeno detalhe que questiono. Não acredito nesta possibilidade, por vezes acredito que é seu contrário o responsável para qualquer realização artística. Já passei por todos os lados, fui desempregado e passei perrengues por conta disso, mas os perrengues nunca eram por não ter grana e querer comprar algo, eu nunca queria, estava certo de minha missão artística e confiante que a única coisa que interessava era criar algo perfeito ou tentar, e a dor de cabeça ficava por conta dos julgamentos de pessoas próximas, pessoas falando que “Eu tinha que ter dinheiro para realizar sonhos e não ser julgado como vagabundo”, automaticamente com a mesma frase implicitamente me chamava de vagabundo e me enchia de dor de cabeça, é o paradoxo da maldade, a própria frase de aviso é a responsável pelo julgamento.
No auge de meu desemprego massacrante, por conta da necessidade de emprego comum (ou alheio ao sonho) que tentavam inserir em minha consciência, alcancei coisas grandiosas, para o meu sonho e minha meta eram importantes para qualquer currículo artístico; consegui participar do primeiro sarau em uma penitenciária feminina, onde mais tarde voltei para palestrar, também fiz um rápido voluntariado na biblioteca do bairro onde durante alguns dias pude falar sobre literatura, também foi o período quando descobri a verdadeira literatura clássica, li os maiores e melhores e variados, frequentei oficinas literárias durante meses e acumulei além dos certificados, muito conhecimento, participei de saraus e concursos literários, ganhei alguns e até fiz certo nome por conta dos sonetos atrevidos, pra não dizer uma coluna de jornal onde publiquei contos e folhetins, adquiri método e disciplina para escrever. Tudo isso para alguém que almeja um lugar ao sol literário é de grande importância e só melhora nosso ego e nossas chances. Eu devia ter generalizado as conquistas para não parecer metido, mas a quantidade cria densidade, e pela densidade consigo mostrar não as qualidades do que fiz, mas a quantidade de coisas que consegui neste tempo, que foram mais produtivas em matéria de jornada humana do que aquilo que veio depois. Para olhos leigos eu era um inútil sem emprego, para minha vida aquilo era me levar para perto de meu eu verdadeiro, porque não era um passatempo, não era uma bobeira toda leitura e escrita, era um artista sendo responsável consigo mesmo.
Depois me tornei um trabalhador, então, posso até ter criado algo aqui e acolá, mas inevitavelmente fui saindo de meu caminho, e isso, embora traga dinheiro, traz infelicidade extrema, é como ser um homem cheio de possibilidades e chances de marcar o mundo e sua existência, talvez mudar algumas pessoas, e se tonar um nada, uma coisa qualquer que perecerá no meio de um oceano apático, para pensar todos os dias “Eu não existo, e cada dia existo menos”, e pior, por não existir se torna inútil trabalhar apenas para passar o tempo e “ser alguém” para os outros, quando se é para os outros não se é nada, quando se é para si não se é para os outros. Parece um dilema. Isso é doloroso, por trabalhar apenas para passar o tempo já que não há mais nada que você persiga e represente, viver se torna inútil e perda de tempo, ou seja, sofrer em algum lugar que não gosta só para envelhecer e morrer; porque não morrer logo e poupar esse tempo todo de sofrimento? Essa é a ideia que passa constantemente pela cabeça de artista que não faz aquilo que ama. Eu sinceramente não ligo, não existe a possibilidade “não ser o que quero ou arrumar outra coisa para ser”, quando se é outra coisa não se é você mesmo, e para alguém com dignidade isso é igual a morte, perto disso a morte é melhor.
Aquele argumento sobre trabalhar para ganhar dinheiro e realizar os sonhos é tremenda mentira, apenas enganação para você nunca lutar pelo que ama e passar uma imagem de responsável para os outros. Tanto isso é verdade que, se ao estar desempregado todos falavam que o bom é juntar grana para realizar sonhos, quando se fica empregado os discursos mudam, as pessoas esquecem que você é algo mais, esquecem que você precisa de seus sonhos realizados, esquecem o significado de seu dinheiro juntado, esquecem suas necessidades, começam a inserir desejos que você passaria muito bem sem, juntar pra reformar o quarto, comprar um carro, uma casa, um computador, passear, absolutamente toda gama de coisa irrelevante, sim, as pessoas não se importam, falaram que você tinha que juntar para realizar sonhos apenas para você calar a boca e ter um trabalho como todos, depois distraem e fazem você esquecer, e você infelizmente vai esquecer, será mais um nada, sem sonhos, com quinquilharias compradas, quartos reformados, roupas boas, e absolutamente nada em matéria de importância ou de suas ambições anteriores.
Falam que o artista não tem ambições, pode ser que ele não tenha ambições banais relacionadas ao “juntamento” de coisas ou conquistas de coisas tolas, mas ele traz a maior ambição de todas, de fazer a diferença, ser alguém e imortal; no mundo em que vivemos querer ser alguém é ser ambicioso no bom sentido, não essa brincadeira de ter e parecer. O que é maior ou mais ambicioso, ser imortal ou comprar uma casa? Ser imortal é mais ambicioso, então ninguém pode dizer que um artista com essas qualidades não quer nada da vida, ele quer é mais que todo mundo.
Por isso digo que é mentira, trabalhar não realiza nada, você apenas afunda no oceano do social até desintegrar e virar pó ao vento. O verdadeiro homem corajoso junta grana e esquece absolutamente todo plano das conquistas cotidianas para pedir sua carta de alforria e aí ter os momentos de criação. É complicado e complexo. Foi trabalhando que percebi que não alcançaria nenhum sonho, meu sonho é literário (só para esclarecer), mas não tenho como chegar neste sonho através do dinheiro, publiquei livros por conta e sou a mesma coisa que era antes, embora reconhecido por poucas pessoas, mas minhas ambições artísticas são específicas, apenas sobre a criação, criar algo perfeito que seja reconhecido e me faça adentrar neste mundo, simples e complicado, por outro lado isso faz com que o sonho seja mais puro e lindo, não há dinheiro que o realize, é na capacidade, na criação e em meu empenho que posso alcançá-lo, isso serve para várias artes, mas para conquistá-lo eu estava no caminho certo quando desempregado, a única coisa que preciso para ser artista não é dinheiro, mas tempo para ler, sentir a inspiração, estudar e criar, criar incansavelmente, algo que eu fazia quando desempregado e até impulsionava meu Eu para perto do objetivo (com aquelas conquistas que enumerei). Hoje sou um nada, estou realmente naquela linha de pensamento suicida, fico pensando que morrer agora sem conquistar meu sonho pelo menos poupa todos os anos até a velhice sendo mais um trabalhador ressentido por nunca ter jogado tudo pro ar e corrido atrás do sonho, morrer agora poupa dor, melhor morrer tranquilo do que viver sofrendo, tendo em vista que a opção “tirar férias de tempos em tempos para criar” é visto pela sociedade como coisa de vagabundo. E como já falei em vários textos, “As pessoas preferem ver alguém infeliz a desempregado”. Isso me deprime intensamente.

As pessoas precisam entender que é um fardo sim ter um artista na família, mas talvez, aquilo que ele conquiste (se abrir mão de tudo), seja bem maior que qualquer eternidade juntando uma merreca por mês.

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