terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

25/02/2014 - Uma Crítica ao Livro "Últimas Palavras" de Christopher Hitchens (Uma Homenagem aos Exercícios Cerebrais)

Eu tentei por grande parte da minha vida escrever como se estivesse compondo minhas frases para serem lidas postumamente. – Christopher Hitchens

Quando li “Deus não é Grande” de Christopher Hitchens fiquei com a sensação de aquele ser era um palestrante difícil, homem sábio, crítico e irônico, talvez mais cruel que Dawkins. Criaram este quarteto, “Os Quatro Cavaleiros do Ateísmo”, quase impossível ler um e não procurar pelas obras dos outros, apenas porque suas informações se completam, mas diante desta explosão de neo-ateus, ou melhor, da coragem de alguns intelectuais falarem que estão fartos do mundo Cristão dominante, surgem questões profundas e sensíveis, quando a sensibilidade bate à porta do representante da sanidade.

Imagine que um homem conseguiu senso crítico o suficiente para não precisar de fantasmas, ele é mais livre? Pode ser que sim, mas surgem nossos impulsos primitivos, diante da morte tudo muda, ou não, ou tudo muda porque o cérebro vai pregar peças e exigirá respostas que podem não existir. Muitos olham para os neo-ateus e lançam perguntas sobre a hora de suas mortes, algo que acho completamente sem sentido, mas é interessante, um novo jogo mental aproxima-se do intelectual, ele está sozinho, o mundo o abandona porque ele vê o mundo de outra forma, isso não significa que o cético está errado, apenas que sua solidão é diferente e não pior que outras solidões que podem fazer parte de qualquer espiritualidade. Eis que Hitchens é empurrado para uma cilada, descobre que tem câncer, um novo jogo de interpretação de mundo começa, ele sabe tudo, desmistificou a vida e a morte, não há mistérios físicos ou práticos, os únicos mistérios estão relacionados aos modos de agir; como se comportar diante de uma sociedade que olhará para a infelicidade como forte indício ou conotação espiritual?

Acredito que Hitchens chegou ao máximo da coragem, morreu com honra, embora não exista honra em morrer como morreu, desmistifica até o heroísmo do combate ao câncer, pois é o câncer que luta contra ele e não o contrário popular; Hitchens não tem dó de si mesmo, até a capa de seu livro é irônica, como se pensasse “Lá vem o povo acha que há significado nisso tudo”. É consenso ridículo mundial de todo crédulo achar que todo ateu se “regenera”, “Aceita Deus” ou “Aceita a Aposta de Pascal”, primeiro que para aceitar Deus é necessário existir Deus, por isso não faz sentido; Hitchens continua analisando, até em seu último suspiro, o porquê desses pensamentos cristãos, o homem deseja morrer lúcido e sensato, mas se alguém acha que ele chega ao estágio da insensibilidade teimosa, não chega, é extremamente humano, técnico e direto consigo mesmo, sensivelmente educado com as pessoas e reações ao seu redor, analisa quem ora por ele, deseja escrever e conversar, sabe que os momentos de conversa com os amigos são aqueles que o faz ter uma sensação agradável, provavelmente escrever foi sua razão de viver, é tocante como fala com paixão da escrita e da necessidade da conversa, em um mundo cada vez mais separado, inclusive pelas crenças e diferenças, ele não se importa, tem amigos cristãos, amigos céticos, e estes parecem respeitar sua militância ateísta, enquanto falam de outras coisas para descontrair e todos se respeitam, aprendem uns com os outros, ele tem muito para ensinar sobre dignidade no leito de morte, simplesmente porque não há dignidade, o que há é uma coisa dentro de si que acelera seu momento final, o único sentimento pesaroso é o de desperdício, o mundo perderá alguém que poderia contribuir muito para a racionalidade e até para análises de mundos e comportamentos, ele sabe disso, admite isso. Talvez sua paixão pela conversa e pela escrita seja o que o faz inteligente, a linguagem está extremamente relacionada ao hábito de pensar, os raciocínios, principalmente lógicos e inteligentes, que moldaram a sociedade, não se separam da história da criação ou surgimento da escrita.

Li o livro em uma tacada só, creio que estava em meu inconsciente saber qual minha reação diante da morte, simplesmente porque todos indicam e nos fazem acreditar que iremos nos entregar às insanidades ou ilusões, pegadinhas da mente, mas não, é possível, como ele conseguiu, manter seu cérebro ativo, morrer com nossa intensa experiência cerebral de entender o mundo, nosso inconsciente trapaceiro não nos enganará, ele esteve em contato com a morte mais pura e crua, viveu absolutamente tudo que tinha para viver, vida e morte, nada passou batido.

Pequenos comentários que fiz durante a leitura:

1. Maratona de leitura da madrugada. Últimas Palavras, de Christopher Hitchens, um dos intelectuais mais controversos das últimas décadas, herdeiro intelectual de George Orwell e Thomas Paine, entre suas polêmicas estão suas críticas contra Madre Tereza. De forma lúcida analisa o próprio Câncer enquanto luta contra ele, é incrível e sensato até em suas últimas palavras. Morreu em 2011pela doença e é exemplo de sanidade do começo ao fim, homem sábio, bem resolvido quanto a morte. É chocante o relato que faz usando a si mesmo como objeto de estudo.

2. Leitura do livro Últimas Palavras de Christopher Hitchens finalizada. Ele não deixou de ser irônico e crítico nem em suas últimas palavras escritas e faladas, foi homem extraordinário, valorizava os amigos pelas conversas que tinham e quis literalmente morrer escrevendo, uma das melhores homenagens à escrita e aos afetos pela relação argumentativa que já vi. Livro tocante. A ironia fica para suas análises sobre as orações que recebeu, tanto de opositores querendo seu bem, como de fiéis fanáticos de todos os credos que pediam para seus deuses punirem Hitchens por ter vivido e morrido como herege, ele não se ofende, ri e ainda cria tese
em seu 'leito de morte' sobre a ineficácia das orações. E a capa do livro com ele olhando com uma cara de crédulo 'E Agora, José?' é para rir e pra chorar. Leitura impactante sobre um homem que analisou a própria morte para morrer ainda em pleno e intenso exercitar cerebral.

3. Essas Últimas Palavras de Christopher Hitchens mexeram comigo, faz pensar em como morrer com honra e como morrer com honra não significa nada. Caramba.

4. Quero a coragem de Christopher Hitchens diante da morte, e acho que depois da leitura de seu livro, consegui um pouco desta coragem, que homem incrível. Samba na cara da sociedade até nos últimos momentos.

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